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A Hipnose em Triatletas: Percepção das Características da Visualização da Prova de Ironman e seus Componentes Psicofisiológicos

Atualizado: 22 de fev.

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia no curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.____________________________________________________________

RESUMO

A hipnose vem sendo estudada em diversas áreas da saúde, como a medicina, odontologia e também na área esportiva. Esta pesquisa objetivou investigar em atletas de triátlon a percepção das características da visualização da prova de Ironman e os seus componentes psicofisiológicos durante o transe hipnótico. Foram estudados 7 atletas do sexo masculino em 6 sessões de hipnose. Após cada sessão foi feita uma entrevista semiestruturada e aplicado um questionário. A frequência cardíaca (FC) foi monitorada durante o transe em todas as sessões. Os resultados apontam o relaxamento e a concentração como características principais do transe hipnótico com triatletas. Os atletas sentiram relaxamento corporal durante todo o transe, e após este, o que foi confirmado pelo comportamento da frequência cardíaca. A FC diminuiu significativamente no início do transe (p = 0,000) mantendo-se baixa até o término do transe, quando aumentou significativamente (p = 0,000),sendo que a média do grupo foi de 60 bpm. Os atletas relataram estar concentrados durante todo o transe especialmente na voz da terapeuta. A atenção focal foi mais intensa durante a visualização. Os participantes tiveram uma tendência a sentir o corpo de normal a aquecido e mais leve. Os participantes perceberam a entrada e saída do transe de forma natural e gradativa.

Os fenômenos hipnóticos de hipermnésia, catalepsia e anestesia, estiveram presentes menos frequentemente. Durante a visualização da prova de Ironman, os atletas responderam nos questionários estar em perspectiva interna (dentro da imagem) ou intercalando entre interna e externa. Nas entrevistas esta percepção apareceu bem distribuída entre estar dentro, fora ou intercalando. Os atletas perceberam imagens em geral com boa qualidade (foco médio, luz média, tamanho médio, coloridas e com movimentação normal)apontando uma proximidade com as imagens vistas no estado acordado. Os participantes perceberam estar respirando lentamente e profundamente, o que está de acordo com o comportamento da FC e coma sensação de relaxamento. Conclui-se que a hipnose aplicada em atletas de triátlon durante a visualização da prova de Ironman, produz comportamentos típicos da hipnose, sendo que as características concentração, relaxamento, anestesia e hipermnésia, podem ser ainda melhor aproveitadas no meio esportivo. A hipnose é uma ferramenta útil no treinamento de atletas de triátlon e com potencial a ser explorada em outros esportes.

PALAVRAS-CHAVE: Hipnose. Triátlon. Visualização

1 INTRODUÇÃO

1.1 PROBLEMA

A hipnose foi associada durante séculos à perda da consciência e o controle voluntário das ações, um estado onde o hipnotizador poderia manipular o hipnotizado a fazer o que ele quisesse, inclusive revelar os mais profundos segredos. Cercada de misticismo, durante muito tempo foi alvo de críticas e admiração. Apresentações em público, colaboraram para a disseminação desta técnica como algo mágico e misterioso. A hipnose, no entanto, existe sim há muitos séculos, e acredita-se que a antiga “cura por imposição das mãos” ou a atuação dos “curandeiros pela fé” já eram de natureza hipnótica. Séculos se passaram e a hipnose evoluiu. O termo inicialmente vindo da raiz grega hipnos, que significa sono, já não tem mais este sentido. A hipnose se tornou uma técnica estudada e respeitada em diferentes áreas, possibilitando que seja usada de forma mais ampla e proveitosa.

Autores como Caballo, Elman, Rossi e Erickson trazem uma nova roupagem para esta técnica antiga, e neste mesmo sentido, pesquisadores ao redor do mundo procuram desvendar os mecanismos funcionais da hipnose e seus efeitos nas diversas áreas da saúde. A hipnose ganhou respeito na medicina, principalmente pelos efeitos na analgesia (DIETRICH, 2003). Esta abordagem tem sido usada por milênios para tratar problemas médicos e dermatológicos. Desordens dermatológicas podem ser melhoradas ou curadas com o uso da hipnose como uma terapia complementar ou alternativa (SHENEFELT, 2003).Os resultados positivos trazidos pela hipnose para o alívio da dor têm sido estudados também em pesquisas clínicas. Muitos experimentos clínicos controlados têm sido conduzidos usando a hipnose para controlar a dor(GAY; PHILIPPOT; LUMINET, 2002). Estudos clínicos em Odontologia(STAM; MCGRATH; BROOKE, 1984; ENQVIST; FISHER, 1997), tratamentos de queimaduras (PATTERRSON; PTACEK, 1997; OHRBACH et al., 1998),cirurgias (LAMBERT, 1996; MAUER et al., 1999) e radiologia (LANG;ROSEN, 2002) têm indicado que esta técnica traz resultados no tratamento tanto de dores agudas quanto crônicas mostrando diminuirem 50% as dores provocadas pela osteoartrite após quatro semanas de treinamento (GAY; PHILIPPOT; LUMINET, 2002).Observando o número de pesquisas realizadas na área da saúde, pode-se indagar as colaborações deste tipo de técnica terapêutica em outras áreas como a dos esportes.

A utilização da hipnose no contexto esportivo vem sendo estudada em países como Estados Unidos, Itália e Alemanha. As pesquisas englobam aspectos como o estado de fluência (MASTERS, 1992;PATES; MAYNARD, 2000), visualização (LIGGETT; HAMADA, 1993), a utilização da hipnose para o aprimoramento do desempenho de arqueiros(ROBAZZA; BORTOLI, 1995), no tratamento da ansiedade (MORGAN,1995), entre outros. Devido à demanda física e mental que os esportes exigem de atletas, em especial os de alto rendimento, procuram-se novas alternativas de melhora da performance e de melhora do bem-estar destes indivíduos. Terapias alternativas como acupuntura, massagem, yoga, meditação, entre outros, são algumas destas alternativas buscadas pelos atletas na promoção do bem-estar.

A hipnose, tanto voltada para a performance, quanto para a saúde, pode ser uma alternativa no trabalho com atletas. No contexto esportivo de alto rendimento, o triátlon é considerado uma atividade de enduro, composta por três modalidades praticadas consecutivamente: natação, ciclismo e corrida (O’TOOLE; DOUGLAS;HILLER, 1998). Existem diversas competições de triátlon, com distâncias bastante distintas. Dentre estas, a prova de Ironman é a mais longa. Triatletas se preparam aproximadamente durante cinco meses especificamente para esta prova, sendo que seguem uma planilha de treinamento diária com uma média de 20 horas de treinamento semanal. Além de ser um teste de resistência física, este evento exige força mental simplesmente para completar a prova (O’TOOLE, 1999 apud SCHOFIELD et al., 2002).

O treinamento intensivo antecedente a prova pode provocar estados emocionais como ansiedade, estresse, irritabilidade e baixa autoestima. Durante a prova é importante que o atleta consiga controlar a ansiedade, manter a concentração, e ir ajustando seu equilíbrio emocional à medida que surgem sintomas físicos como a cãibra, dores estomacais e o próprio cansaço (SZENÉSZI, 2002).Considerando a literatura revisada, as possibilidades de atuação junto aos atletas com a hipnose, e a pretensão de entender mais profundamente como o atleta vivencia a hipnose, chega-se a seguinte pergunta de pesquisa norteadora deste estudo: Quais são as características da visualização da prova de Ironman e seus componentes psicofisiológicos na percepção de atletas de triátlon, durante o transe hipnótico?

1.2 OBJETIVO GERAL

Investigar as características da visualização da prova de Ironman e seus componentes psicofisiológicos durante o transe hipnótico, na percepção de atletas de triátlon.

1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

a). Identificar as percepções sensoriais do atleta de triátlon durante o transe hipnótico; b). Identificar quais são as características da visualização da prova de Ironman durante o transe hipnótico, na percepção de atletas de triatlon; c). Analisar o comportamento da frequência cardíaca de atletas de triatlon durante o transe hipnótico.

1.4 JUSTIFICATIVA

Sob a ótica da demanda física e psicofísica (aspectos cognitivos e emocionais)que esportes como o triatlon exigem, existe a necessidade de novas alternativas de trabalho para promover o bem-estar dos atletas. Para que isto seja possível, há a necessidade de estudá-las e compreende-las para serem melhor direcionadas no contexto esportivo. Em publicações nacionais, existe uma carência expressiva em relação ao tema, tanto na área da saúde quanto na área esportiva. O Brasil, sendo um país em crescente desenvolvimento esportivo, necessita de que pesquisas sejam feitas para aprimorar a performance e promover o bem-estar destes atletas. Neste sentido, os mais conhecidos fenômenos hipnóticos tais como anestesia e relaxamento, poderiam por exemplo, auxiliar no tratamento de lesões em atletas e na diminuição da ansiedade pré-competitiva. Outros fenômenos como a hipermnésia ajudariam a aperfeiçoar jogadas erradas durante as partidas, e até repetir com exatidão jogadas bem feitas.

A hipnose pode assim, ser uma alternativa de trabalho e de promoção do desenvolvimento esportivo no país. Tendo em vista os resultados recentes da utilização da hipnose Ericksoniana, e a carência de estudos descrevendo a experiência dos indivíduos em relação à esta abordagem (STAM; MCGRATH; BROOKE, 1984; ENQVIST; FISHER,1997; PATTERRSON;PTACEK, 1997; OHRBACH et al., 1998; LAMBERT, 1996; MAUER et al., 1999;GAY; PHILIPPOT; LUMINET, 2002; SHENEFELT, 2003; DIETRICH, 2003),pretende-se neste estudo conhecer melhor as características da vivência de atletas com a hipnose. Esta pesquisa pode colaborar para o melhor entendimento da hipnose, e abrir novas possibilidades para a sua utilização com atletas.

1.5 DELIMITAÇÃO DE ESTUDO

Este estudo é delimitado a um estudo de campo exploratório realizado comum a equipe de triatlon participante da prova de Ironman. A pesquisa é de caráter qualitativo e quantitativo-descritivo, sendo que a etapa referente à frequência cardíaca é caracterizada como um estudo quase-experimental. O estudo investiga as percepções de triatletas acerca das características da visualização da prova e do transe hipnótico, assim como o comportamento da frequência cardíaca durante a hipnose.

1.6 DEFINIÇÃO DE TERMOS

Hipnose: estado de relaxamento em que o indivíduo aumenta a sua atenção e sua receptividade a ideias tendo como efeito uma alteração das capacidades sensoriais e motoras para iniciar um comportamento adequado (ERICKSON; HERSHMAN; SECTER, 1994).Transe Hipnótico: período durante o qual o participante encontra-se sob estado de hipnose. Fenômenos hipnóticos: sintomas ou funções da percepção que são afetadas por um processo de diferenciação da figura do fundo inserido no campo fenomenológico ocorrido dentro da experiência hipnótica, seja por sugestão ou espontaneamente (WOODARD, 1996).Características Psicofísicas: características que atendem à correlação entre aspectos de estímulo físico e as sensações que eles provocam(KANDEL; SCHWARTZ; JESSEL,1991).Sensação: resultado imediato da atividade de receptores sensoriais(BRANDÃO, 2001). Os sistemas sensoriais recebem informações do ambiente e transmite ao sistema nervoso central, onde serão usadas em três principais focos: sensação, controle de movimento e manutenção da estimulação.

Além da informação recebida do ambiente, recebemos informação do próprio corpo, tais como ações da musculatura, por exemplo (KANDEL; SCHWARTZ; JESSEL, 1991).Percepção: etapa final do processo de ativação dos receptores sensoriais, onde há o reconhecimento e identificação (BRANDÃO, 2001). Percepções não são registros diretos do mundo externos, mas são parcialmente construídas internamente, de acordo com as nossas regras inatas ou nosso pré-conhecimento (KANDEL; SCHWARTZ; JESSEL, 1991).Percepção Sensorial: percepção dos estímulos internos ou externos ao corpo, iniciada pela recepção de informações por meio de receptores sensoriais e interpretadas pela pessoa posteriormente .Imagens Mentais: imagens surgidas na mente de maneira espontânea e voluntária na ausência física do objeto. As imagens mentais estão associadas aos significados e conceitos, e recrutam mecanismos de memória, não necessitando da presença física do objeto (BRANDÃO,2001).Consciência: autoconhecimento instantâneo da atividade psíquica(BAUER, 1998).Consciente ou Mente Consciente: conjunto de processos e fatos psíquicos durante os quais temos consciência (BAUER, 1998).Inconsciente ou Mente Inconsciente: atividades e procedimentos psíquicos do indivíduo, dos quais este não tem consciência (BAUER, 1998).

Visualização: ver imagens mentais (O´CONNOR, 2001).Mentalização: é uma forma de simulação, sendo semelhante à experiência real de ver, ouvir e sentir, porém ocorrendo apenas na mente(WEINBERG; GOULD, 2001). Exercício de ver apenas mentalmente imagens criadas ou memórias de situações vividas, utilizando o máximo de estímulos sensoriais possíveis: auditivo, olfativo, gustativo, tátil e visual. Mente: uma gama de funções carregadas pelo cérebro (KANDEL;SCHWARTZ; JESSEL, 1991). Funções que permitem ao indivíduo pensar, imaginar, mentalizar e visualizar qualquer coisa a qualquer momento.

1.7 LIMITAÇÕES DE ESTUDO

A amostra inicial de 10 atletas foi reduzida a 7 de acordo com a disponibilidade dos participantes. Todos os participantes possuíam atividades paralelas aos treinos (trabalho e/ou estudo) o que impossibilitou a padronização de horários para a realização da pesquisa. Além disso, a pesquisadora por fazer parte da equipe de profissionais que atuavam junto à equipe, teve contato prévio com alguns dos participantes da pesquisa, o que pode ter influência na vivência dos atletas. Vale ressaltar que este contato não envolveu indução hipnótica.

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 DEFINIÇÕES SOBRE A HIPNOSE

Krasner (1990/1991) destaca a definição de hipnose de Hilgard e Weitzenholffer como sendo a vontade de ser receptivo a ideias, permitindo a estas ideias agirem sem interferências. Estas ideias podem ser chamadas de sugestões. Ansari (1991)complementa a definição dizendo que hipnose é um estado alterado em que o indivíduo pode ser sugestionável. Este estado ocorre por meio do uso combinado de relaxamento, fixação da atenção e sugestão. Milton Erickson aponta definições ao longo de sua literatura sobre o que é hipnose. Krasner (1990/1991) descreve uma das definições de Erickson como hipnose sendo um estado em que o indivíduo tem a sua atenção e a sua receptividade a ideias aumentadas, podendo ser vista como uma susceptibilidade ampliada para a sugestão. Neste estado, o indivíduo tem como efeito uma alteração das capacidades sensoriais e motoras para iniciar um comportamento adequado (ERICKSON; HERSHMAN; SECTER,1994).A American Psychological Association define a hipnose da seguinte maneira:

“A hipnose tipicamente envolve uma introdução ao procedimento durante o qual é dito ao participante que sugestões para experiências imaginativas serão apresentadas. A indução hipnótica é uma sugestão inicial estendida para usar a imaginação da pessoa, e pode conter outras elaborações da introdução. O procedimento hipnótico é usado para encorajar e avaliar respostas às sugestões. Quando usando a hipnose, a pessoa (o participante) é guiada por outra (o hipnotista) a responder à sugestões de mudanças nas experiências subjetivas, alterações nas sensações, percepções, pensamentos ou comportamentos…Procedimentos tradicionalmente envolvem sugestões de relaxamento, apesar do relaxamento não ser necessário para a hipnose e uma grande variedade de sugestões podem ser usadas incluindo aquelas para se tornar mais alerta.1” (APA, tradução nossa, 2005).

2.2 A HISTÓRIA DA HIPNOSE

Erickson, Hershman e Secter (1994) fazem um breve histórico da hipnose.Segundo os autores, a hipnose moderna inicia com Franz Mesmer em 1773. Mesmer usava ímãs no tratamento de casos de histeria. O sacerdote jesuíta e astrônomo Maximilian Hell, para quem Mesmer trabalhava,acreditava que a cura se dava pelas propriedades físicas do ímã. Mesmo Atribuía a cura à redistribuição de algum tipo de fluido que ele chamou de magnetismo animal.Erickson, Hershman e Secter (1994) afirmam que mais tarde, em 1975, umpadre chamado Grasner curava as pessoas pela imposição das mãos.Mesmer acreditou que Grasner usava o magnetismo animal sem ter conhecimento.

O mesmerismo evoluiu até que uma comissão formada por Benjamin Franklin, o químico Lavoisier, Dr. Guillotin e outros, descobriram que os efeitos do trabalho de Mesmer provinha da imaginação dos pacientes e não de fluidos magnéticos. Segundo os autores, em 1841, um médico inglês chamado James Braid interessou-se pelo assunto declarando que o magnetismo animal não estava envolvido nas curas, mas sim a sugestão. Criou uma técnica de fixação-visual para a indução de relaxamento. Inicialmente por achar que era um estado semelhante ao sono, chamou-a de hipnose vinda da palavra grega hypnos = sono. Mais tarde tentou mudar para monodeísmo, que significa concentração sobre uma idéia, mas foi em vão.

Hipnose persistiu, apesar de não corresponder diretamente ao fenômeno, mantendo a idéia de que é um estado relacionado ao sono. Erickson, Hershman e Secter (1994) descrevem os fatos ocorridos de 1845a 1956. Em 1845, James Esdaille, um cirurgião que trabalhava nas florestas da Índia, fez centenas de pequenas cirurgias em nativos utilizando a anestesia mesmérica, registrando 250 destas operações no livro:“Mesmerismo na Índia” publicado em 1950. Neste livro, Esdaile descreve com detalhes as cirurgias e muitos fenômenos hipnóticos da mesma forma como conhecemos atualmente. No mesmo período, na França, o médico Ambroise-Auguste Liébaut e o neurologista Hippolyte Bernheim trabalharam juntos tratando cerca de 10mil pacientes com o uso da hipnose. O primeiro tratado científico sobre hipnose foi então escrito por Bernheim em 1886, chamado Suggestive Therapeutics (ERICKSON; HERSHMAN; SECTER, 1994).Mais tarde, em 1890, Freud se aproximou da hipnose juntamente com Breuer, com o interesse de ajudar pessoas com distúrbios emocionais.

Porém, para seus objetivos, Freud achava que a hipnose curava muito superficialmente o que o fez abandonar o método. Freud no entanto, acreditava que a hipnose era uma poderosa ferramenta para a recuperação de memórias submersas. Foi também no início de seu contato com a hipnose que Freud teve seus mais profundos insights sobreo comportamento e a mente humana (ERICKSON;HERSHMAN; SECTER, 1994).A Primeira Guerra Mundial trouxe uma incidência de choques traumáticos, o que fez com que o psicanalista alemão Ernst Simel usasse a hipnose para tratar pacientes.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a hipnose também foi usada no tratamento do cansaço e outras neuroses(ERICKSON; HERSHMAN; SECTER, 1994).Como decorrência da I e da II Guerra, ouve uma fusão significativa da hipnose com a psicanálise. Em Yale, nos Estados Unidos, um professor de Psicologia chamado Hull interessou-se pelos aspectos experimentais da hipnose, publicando o livro Hypnosis and Suggestionability. Outros livros foram publicados desde então e a hipnose tem sido também ensinada em universidades como a da Califórnia, Universidade de Long Island, a Universidade de Roosevelt, a Universidade de Tufts, entre outras(ERICKSON; HERSHMAN; SECTER, 1994).Um comitê da Associação Médica Americana reuniu-se em 1956 para discutir como a hipnose poderia ser integrada ao ensino médico, relatando seus resultados no jornal de 13 de setembro de 1958 no artigo Medical use of Hypnosis.

Neste, enfatizou-se o uso da hipnose como coadjuvante em tratamentos e severamente condenada ao uso por mera diversão (ERICKSON; HERSHMAN; SECTER, 1994).Erickson, Hershman e Secter (1994) citam a existência de diversos jornais dedicados ao estudo científico da hipnose e suas aplicações como por exemplo, o American Journal of Clinical Hypnosis, British Journal of Medical Hypnosis e The Journal of Clinical and Experimental Hypnosis.No Brasil, em 2000, o Conselho Federal de Psicologia através da Resolução 013/2000, aprova e regulamenta o uso da hipnose como recurso auxiliar no trabalho do psicólogo(ANEXO 1).

2.3 OS MITOS SOBRE A HIPNOSE

Krasner (1990/1991) e Ansari (1991) apontam alguns dos mitos mais comuns sobre a hipnose. Segundo os autores, é importante desmistificar a hipnose antes de iniciar o processo indutivo. O primeiro mito apontado por Ansari (1991), é de que hipnose é sono. Apesar de aparentemente o estado hipnótico ser semelhante ao sono, o indivíduo fecha os olhos, respira tranquilamente e tem algumas alterações em sua consciência, os dois estados são diferentes tanto nos aspectos fisiológicos quanto psicológicos. Durante o sono, apenas a mente inconsciente está ativada, enquanto que na hipnose tanto a mente consciente quanto a mente inconsciente estão funcionando e trabalham juntas. Assim, diferentemente do sono, no estado hipnótico o indivíduo ouve sons e responde a instruções vocais. Durante o sono, o reflexo patelar é diminuído significativamente, o que não ocorre na hipnose.

No estado de sono, os membros estão flácidos pela falta de atividade. No estado hipnótico eles podem se tornar rígidos e firmes. Os batimentos cardíacos e ritmo respiratório durante o transe hipnótico estão mais próximos do estado alerta do que o sono. O fato de apenas pessoas com a “mente” fraca são hipnotizáveis, é outro mito apontado por Ansari (1991). A capacidade de concentrar-se é necessária, mas não uma condição suficiente por si. Bernhardt e Martin(1 977 apud ANSARI, 1991) afirmam que os melhores participantes tendem a ser aqueles com inteligência média ou um pouco acima da média, com forte motivação e habilidade de concentrar-se. Krasner (1990/1991)acrescenta destacando que também aqueles com imaginação ativa e vívida são os melhores participantes para hipnose. O fato de o hipnotizador ter uma personalidade dominante, também é um mito.

A motivação e a receptividade do paciente são mais importantes do que as características de personalidade do terapeuta. O rapport também exerce um papel fundamental processo de transe (ANSARI, 1991).Um mito comum é o de que existe perigo do participante não ser tirado do transe hipnótico. Ansari (1991) esclarece que raramente terapeutas encontram dificuldades em acordar participantes do transe hipnótico.

Bauer (1998) complementa que a hipnose é um estado entre estar acordado e dormindo. Se o participante continua no transe por muito tempo, acaba dormindo. E se dorme, em algum momento acorda. A perda do controle, revelação de segredos, e agir de forma antissocial, são outros mitos existentes. Ansari (1991) esclarece que, durante o transe hipnótico, o participante não está sobre o domínio da vontade do terapeuta, mas em total controle dele mesmo, completamente ciente do ambiente e totalmente capaz de tomar decisões por conta dele mesmo durante todo o tempo. Desta forma, o participante não terá nenhum comportamento que possa ir contra seus valores. Krasner (1990/1991) acrescenta ao apontar que o participante hipnotizado não irá aceitar qualquer sugestão. O participante está sob controle da situação, pois é capaz de sair do transe se assim desejar, ou não aceitar sugestões dadas pelo terapeuta.

Ansari (1991) clarifica o mito de que hipnose é prejudicial. A hipnose, segundo ele, é um fenômeno científico válido, que pode ajudar pessoas a vencer problemas. A hipnose tem sido usada com milhares de pessoas, sem o menor sinal de prejuízo à integridade física ou psicológica dessas pessoas. Elman (1970) reforça a questão de a hipnose não ser de forma alguma prejudicial. O autor afirma não haver nenhum caso registrado sobre algum indivíduo ter sido induzido a cometer um crime, a se machucar ou machucar outros. Segundo ele, nos momentos em que um indivíduo hipnotizado recebe uma sugestão imprópria, uma de duas coisas acontece: ou o indivíduo não responde à sugestão, ou o estado transe acaba imediatamente. Elman (1970) destaca três requisitos básicos para hipnose:1) o consentimento do participante;2) a comunicação entre o operador e o participante, e3) estar livre do medo ou de existir relutância da parte do participante em confiar no operador (p. XII).

2.4 AS TEORIAS SOBRE A HIPNOSE

Erickson, Hershman e Secter (1994) descrevem algumas teorias sobre a hipnose. Entre elas a do filósofo russo Ivan Pavlov, a do psicanalista Sandor Ferenczi, e a de Robert White.Pavlov, em seus trabalhos sobre reflexos condicionados, afirma que as palavras e ideias adquirem um significado condicionado para o participante. Porém o condicionamento é apenas uma parte de hipnose. O psicanalista Ferenczi propôs uma teoria de que a hipnose seria uma espécie de regressão à infância, em um tipo de relação de dependência entre a criança e os pais. Esta teoria caiu por terra. Robert White, em 1941(GILLIGAN, 1987), achava que o participante em estado hipnótico age como este acredita que uma pessoa hipnotizada deve agir.

Para a indução do transe, isto pode ser sustentado, mas no caso de uma criança que não possui conhecimento algum sobre a hipnose, e apresenta sinais de transe, esta teoria é falha. Gilligan (1987) esclarece mais algumas teorias sobre a hipnose. No final do século XIX (ANSARI, 1991), o neurologista Jean Martin Charcott, concluiu em seus estudos sobre a hipnose, que o estado de transe era um estado patológico, muito semelhante ao da histeria, teorizando sobre três níveis de transe: a catalepsia, a letargia e o sonambulismo. O médico francês Auguste Lébeault, fundador da escola de Nancy, por volta de 1864 assemelhava o transe ao sono, porém feito por meio de sugestões. Ele ainda tentava explicar por que o paciente no estado de transe permanecia em rapport com o terapeuta. A teoria de Pierre Janet, que era aluno de Charcot e assistente de Freud, afirma no início do século XX (ANSARI,1991), por volta de 1910 (GILLIGAN, 1987), que o transe hipnótico era um estado no qual a mente inconsciente do paciente executa funções cognitivas, fora da percepção consciente. Sobre as teorias mais recentes, Gilligan (1987) aponta o conceito de regressão parcial a serviço do ego, desenvolvida por Kris em 1952.Semelhantemente, Gill e Brenman (1959 apud GILLIGAN, 1987)apresentavam o transe hipnótico como uma regressão a um estado primitivo.

Nesta regressão o paciente cede aos impulsos e desenvolve uma relação de transferência com o terapeuta. Ambos partiram de teorias Freudianas ou neo-Freudianas. Gilligan (1987) apresenta também outras teorias como a de Hull, Hilgard,Barber, Sarbin e Erickson. Por volta de 1933, Clark Hull apresenta a teoria do transe como aprendizagem adquirida. Nela, Hull propôs que os fenômenos hipnóticos eram respostas adquiridas, iguais a outros hábitos, e enfatizava a experiência de transe como natural e que poderia se tornar mais fácil com a prática. Ernest Hilgard, aproximadamente em 1976,aprimorou a teoria de dissociação de Janet, criando a teoria de neo dissociação. Hilgard utilizou conceitos da psicologia cognitiva contemporânea, descrevendo a experiência hipnótica como um desligamento momentâneo das funções de planejar e monitorar, reduzindo a crítica e possibilitando o desenvolvimento de experiências dissociativas como a amnésia, a surdez hipnótica, o controle da dor e a escrita automática (GILLIGAN, 1987).Barber, em 1969, desenvolveu uma idéia cognitivo-comportamental.

Nela ele afirma que as experiências de transe são o resultado de atitudes positivas, motivações e expectativa em relação à situação de teste, o que leva a uma disposição de pensar e criar imagens de acordo com os temas sugeridos. Como sucessor de White, Sarbin, por volta de 1956, afirmou que uma pessoa habilidosa e motivada poderia ficar fortemente imersa no papel hipnótico, até tendo experiências de mudanças qualitativas dramáticas na realidade subjetiva(GILLIGAN,1987).Milton Erickson na década de 50 desenvolveu uma teoria naturalística sobre a hipnose. Para ele os processos de transe são naturalmente empre

gados, sem haver a necessidade do ritual específico de transe.

Para Erickson, a experiência de transe permite ao paciente funcionar de modo adequado e direto em um nível inconsciente de percepção, sem a interferência da mente consciente. As limitações do participante ficam temporariamente alteradas fazendo com que o indivíduo se torne receptivo aos padrões, associações e aos moldes do funcionamento da mente que levam à solução de problemas (GILLIGAN, 1987).

2.5 ABORDAGEM TRADICIONAL VERSUS ABORDAGEM NATURALISTA OU ERICKSONIANA

Encontram-se na literatura relatos utilizando a hipnose para tratar casos clínicos, como é o caso de Jean-Martin Charcot, Josef Breuer, e Sigmund Freud. Após os anos 70, houve um ressurgimento da hipnose principalmente por meio de autores como Spiegel e Kroger, porém sendo fundamentalmente influenciados pelo trabalho de Milton Erickson(CABALLO, 1996).A chamada abordagem hipnose tradicional difere-se em alguns aspectos da Ericksoniana ou naturalista. Hipnose tradicional é geralmente caracterizada pelo uso de palavras previsíveis ou que podem ser atribuídas a alguém. As atribuições podem ser sobre os sentimentos, pensamentos ou comportamentos, prevendo o que a pessoa vai sentir, ver ou o que vai acontecer (O’HANLON; MARTIN, 1995).

Estas são as chamadas sugestões diretas onde o hipnotizador diz ao seu cliente o que ele vai fazer ou sentir, e este aceita e age exatamente desta maneira. Essa abordagem funciona em aproximadamente 25% das pessoas, que são as consideradas sugestionáveis. Mais ou menos 50% das pessoas são mais ou menos sugestionáveis, podendo responder ou não aos estímulos tradicionais. Portanto, apenas os primeiros 25% das pessoas respondem bem a esse tipo de abordagem (O’HANLON; MARTIN, 1995).Esse tipo de hipnose é aquele tradicionalmente vista em apresentações de palco, e envolvidas pelo misticismo. O hipnotizador parece um mágico e o hipnotizado tem aparência de zumbi. Na abordagem Ericksoniana, a relação terapeuta – paciente ocorre de maneira diferente.

Enquanto na abordagem tradicional, as sugestões hipnóticas são diretas e pouco flexíveis, na hipnose Ericksoniana o hipnotista permite que o paciente tenha escolhas. O’Hanlon e Martin (1995) afirmam que segundo Erickson, qualquer pessoa pode ser induzida ao transe. É necessário apenas encontrar o caminho que faz com que a pessoa responda à indução e hipnotizá-la O uso de palavras de permissão ajudam as pessoas a não se sentirem obrigadas a agir de uma forma estabelecida pelo terapeuta. Ao invés de dizer o que a pessoa vai fazer ou sentir, na abordagem Ericksoniana o terapeuta utiliza tudo oque a pessoa já traz com ela. Por este motivo ela também é chamada de Abordagem da Utilização. Assim, o terapeuta utiliza características do próprio cliente para a indução do transe e dá sugestões permissivas, onde o cliente tem a escolha de fazer ou não, sentir ou não. Por utilizar-se de elementos “naturais” do cliente, Erickson denominava suas técnicas de hipnose de “naturalistas”.

Erickson acreditava que as pessoas têm dentro de si as aptidões necessárias para superar dificuldades, resolver problemas, entrar em transe e experienciar todos os fenômenos do transe. Seu enfoque consistia em trazer essas capacidades à superfície(O’HANLON, 1994, p. 19).Segundo Zeig (1985) já no início da terapia, Erickson considerava os pacientes como indivíduos completos, que possuíam todos os recursos necessários para a terapia. A tarefa então passa a ser orientar o paciente a descobrir seus próprios potenciais para fazer as mudanças. Erickson percebeu que a comunicação se dá em múltiplos níveis, o que inclui o conteúdo verbal, os comportamentos não-verbais e as implicações de cada indivíduo.

Ele utilizava todos os níveis no processo terapêutico, partindo dos recursos trazidos pelo próprio paciente. Segundo Zeig (1985), a chamada técnica de “utilização”, significa utilizar oque o paciente traz com ele, e não o que o terapeuta acha que seria melhor dar ao paciente. É preferível utilizar a própria roupa do paciente, adequando a uma relação de ajuda, do que tentar vesti-lo com roupas impostas e às vezes inadequadas. Isto significa adaptar a terapia a cada paciente, criando também uma relação de empatia (rapport) mais consistente. Gilligan (1987) afirma que no princípio da utilização, os padrões de auto expressão do paciente constituem a base do desenvolvimento do transe terapêutico. Isto exige instruções adaptáveis ao invés de padronizadas.

Phillips (1993) utilizou os sintomas pós-traumáticos de pessoas que sofreram abuso sexual na infância, transformando-os em recursos positivos para mudanças rápidas e de sucesso. Ele concluiu que a abordagem de utilização criada por Milton Erickson, é de muita eficácia no tratamento deste tipo de sintomatologia, conseguindo abordar um dos mais persistentes padrões sintomáticos pós-traumáticos relacionados ao abuso sexual infantil. Na abordagem Ericksoniana um outro ponto em destaque é a postura de pensar no futuro. O estabelecimento de objetivos estratégicos faz parte da terapia, respeitando as condições de mudanças do cliente. Observa-se até onde a indivíduo pode chegar, e à medida que ele vai fazendo as mudanças, novos objetivos são estabelecidos (ZEIG, 1985).

Segundo Zeig (1985), apesar de toda a flexibilidade da abordagem Ericksoniana de utilização, alguns pontos são cruciais no processo terapêutico:1) Identificação dos recursos latentes do paciente; 2) Diagnóstico dos valores do paciente (o que ele gosta e o que ele não gosta); 3) Desenvolvimento dos recursos utilizando os valores do próprio paciente; 4) Vinculação do recurso ao problema de forma direta ou indireta; 5) Estabelecimento de rapport, motivação e controle da receptividade ao longo do processo; 6) Aceitação e utilização de qualquer comportamento, manifestação ou resistência apresentada pelo paciente; 7) Utilização do drama para melhoria da receptividade às diretivas; 8). Semear ideias previamente gera um comportamento receptivo; 9). Atuar no momento certo é fundamental. O processo terapêutico envolve acompanhamento, desorganizar o modelo mental e criação de novos padrões de reposta;10) O terapeuta deve ter uma atitude de expectativa;11) Acompanhamento dos resultados para verificar a eficácia da intervenção.

Pode-se fazer com que o paciente pratique o novo comportamento junto com o terapeuta durante a sessão, ou fazer consultas de reforço, ou ainda sugerir que o paciente imagine-se praticando o novo comportamento (ZEIG, 1985, p. 84, 85 e 87).

Um aspecto considerado por Gilligan (1987) de extrema importância na abordagem Ericksoniana é a integridade. Segundo ele, a integridade diz respeito ao grau de autoconsciência e o apoio interdependente das diversas partes de um sistema. Em hipnoterapia, integridade é o grau em que as intenções e as expressões do terapeuta andam paralelamente com as necessidades do paciente. Desta forma, o hipnoterapeuta deve apoiar a todo momento o paciente em sua busca de transformação, deve deixar de lado seus preconceitos e necessidades pessoais aceitando completamente a experiência do paciente, e deve também evitar dar soluções ou aplicar crenças pessoais ao paciente. Para que o processo tenha sucesso terapêutico, é fundamental um contexto de integridade, pois assim, o hipnoterapeuta poderá garantir o rapport com o paciente.

A abordagem Ericksoniana de utilização vem sendo estudada por diversos autores em diferentes áreas do comportamento e saúde humana. Gilmore(1987), por exemplo, descreve como os métodos da abordagem Ericksoniana podem aliviar problemas sexuais, trazendo descrição de casos de tratamento efetivo de disfunções sexuais utilizando esta abordagem. Gay, Philippot e Luminet (2002) investigaram a efetividade da hipnose Ericksoniana no tratamento da dor provocada pela osteoartrite comparada à técnica de Relaxamento Progressivo de Jackobson.

2.6 CARACTERÍSTICAS FENOMENOLÓGICAS DO TRANSE

Autores como Elman (1970), Gilligan (1987) e Ansari (1991) mencionam algumas características fenomenológicas do transe hipnótico. Destaca-se a seguir algumas delas: Concentração da atenção: o paciente pode desenvolver durante o transe uma concentração da atenção por um período extenso, podendo mergulhar completamente em um estado experiencial específico.

Expressões voluntárias: a experiência de transe parece acontecer sem que o paciente tenha planos antecipados. Ela simplesmente acontece. Desta forma, os processos inconscientes do paciente podem se expressar de forma autônoma no contexto hipnoterapêutico. Durante o transe o paciente pode expressar tais processos inconscientes através de imagens, mudanças de características físicas (ruborização da face, aumento da temperatura corporal, padrões respiratórios ou dilatação da pupila),relaxamento, lacrimejar, tremer as pálpebras ou levitação das mãos.

Envolvimento na experiência sem conceituação: os pacientes que entram em transe se concentram geralmente na experiência sem se preocupar com o entendimento lógico.Vivenciam o transe como ele é, sem procurar conceituar a experiência.

Flexibilidade na relação tempo e espaço: durante o transe, que acontece dentro e um tempo e um espaço, o paciente pode ter como experiência uma relação diferente com estes dois fatores. Pode haver uma dissociação do presente se transportando para o passado em uma regressão de idade,ou para o futuro em uma progressão de idade. Distorcer a noção de tempo expandindo (um minuto parece ter uma hora), ou condensando.

Pensamento autônomo, tonicidade balanceada (catalepsia), mudança na qualidade da voz, conforto, relaxamento, economia de movimentos, fechamento dos olhos, sentimento de distância, pulsação mais lenta, respiração mais lenta, falta de movimentos corporais, falta de respostas de alarme, retardamento dos reflexos (de engolir e piscar), mudanças na pupila, fenômenos hipnóticos espontâneos (amnésia, regressão, anestesia, catalepsia, distorção de tempo, etc.), sentimentos agradáveis depois do transe, entre outros.

2.7 A ORGANIZAÇÃO DOS EVENTOS DE TRANSE

Gilligan (1987) propõe a divisão dos estados de transe em quatro fases: 1)preparação;2) indução;3) utilização;4) consolidação dos aprendizados.Na fase da preparação, os objetivos principais são a reunião de informações sobre o paciente e o estabelecimento do rapport. Durante essa fase o terapeuta identifica as principais crenças, ocupações, grau de escolaridade, preferências, habilidades etc., assim como as mudanças desejadas pelo paciente.Na fase da indução, o terapeuta induz o transe utilizando-se das informações adquiridas na fase anterior.

As características do paciente tornam-se fundamentais na medida que promovem uma indução mais natural ao paciente. Na fase da utilização, o terapeuta utiliza o transe para eliciar e organizar os recursos latentes do paciente para a solução de problemas. Ao invés de acrescentar ou tirar qualquer coisa, o objetivo nesta fase é o de levar o paciente a perceber e reorganizar recursos que ele já possui.Na última fase, a de consolidação de aprendizados, o terapeuta tira o paciente do transe e generaliza os aprendizados. A retirada do paciente do transe é feita suavemente, e após o terapeuta pode conversar com o paciente por alguns minutos a fim de aplicar os aprendizados em outras áreas da sua vida, ou ainda para eventos futuros. Isso pode ser feito através da conversa ou com o paciente imaginando eventos futuros relacionados ao problema anterior.

2.7.1 Acompanhando a Experiência Corrente e Aprofundando O Transe Hipnótico

Segundo Bandler e Grinder (1982), uma das formas modeladas de Milton Erickson para a indução do transe hipnótico é através do acompanhamento da experiência corrente.

Este acompanhamento se dá deslocando o foco de atenção da experiência externa para a experiência interna. O terapeuta começa descrevendo experiências sensoriais externas que estão efetivamente presentes naquele momento, coisas que ele possa estar vendo, ouvindo e sentindo, alternando-se com experiências internas descritas de forma ambígua, de maneira que ele vá criando um foco de atenção interno, buscando a comprovação da descrição que o terapeuta faz. Pode por exemplo dizer ao participante: enquanto você está olhando nessa direção, e está ouvindo a minha voz… e está ouvindo o som que vem do ar condicionado, você pode perceber seus pensamentos indo em uma certa direção e seu corpo ficando mais e mais pronto para relaxar…

Há uma diminuição gradativa da quantidade de descrições de experiências externas, à medida que se aumenta o número de experiências internas induzidas. Até ficar apenas com as experiências internas.O aprofundamento do transe hipnótico é uma continuação do processo de indução (ANSARI, 1991). Ao aprofundar o transe, o participante tende a ficar mais relaxado e viver mais intensamente a experiência. Algumas das técnicas de aprofundamento do transe hipnótico são: subir ou descer lances de escada, contagem progressiva ou regressiva, a técnica da confusão, entre outras (ELMAN, 1970; ANSARI, 1991; ERICKSON;HERSHMAN; SECTER, 1994).

2.8 ESTUDOS SOBRE A HIPNOSE

As teorias e técnicas da hipnose têm sido exploradas no meio científico.Autores como Perry (1992) e Perry e McConkey (2002) fazem análises das teorias sobre a hipnose. Otani (1989) estudou a técnica de confusão mental, enquanto que outros autores estudaram diferentes formas de utilização da hipnose (KAHN et al., 1989; VAN DER DOES et al., 1989;PAGE; HANDLEY; RUDIN, 2001) ou a hipnose comparada a outras terapias(VICKERS, 1999; GAY; PHILIPPOT; LUMINET, 2002).Gay, Philippot e Luminet (2002) relatam diferentes estudos científicos envolvendo o uso da hipnose para o controle da dor. Estes autores verificaram a eficácia da hipnose Ericksoniana comparada à técnica de relaxamento de Jacobson na redução da dor provocada pela osteoartrite.

Estudos envolvendo o controle da dor e analgesia de dores crônicas(CRAWFORD et al., 1998), dores de cabeça tensionais (VAN DYCK et al.,1991) e dores clínicas (KIERNAN et al., 1995; PATTERSON; JENSEN, 2003)foram encontrados. A hipnose tem sido utilizada também no tratamento de dependência química (MCGARTY, 1985), problemas e disfunções

sexuais (GILMORE, 1987; PHILLIPS, 1993) e problemas dermatológicos(FRENAY et al., 2001; SHENEFELT, 2002, 2003).Estudos sobre o funcionamento cerebral e respostas fisiológicas, ao eliciar diferentes estados emocionais durante o transe hipnótico, foram feitos para verificar diferentes respostas do organismo. Maquet et al. (1999)com o intuito de melhor entender o que acontece com pacientes em estado hipnótico durante cirurgias, decidiram estudar os mecanismos cerebrais durante o estado hipnótico de participantes saudáveis usando PET (Tomografia por Emissão de Positrons) e mapeamento paramétrico estatístico.

Sebastiani et al. (2003) avaliaram a frequência cardíaca, frequência respiratória, tônus musculares e diferentes ritmos eletroencefalográficos. O uso de EEG (Eletroencefalograma) tem sido bastante frequente nos estudos das respostas humanas aos estados hipnóticos (ISOTANI et al., 2001; MUNTE et al., 2003; RAY; DE PASCALIS,2003).

2.9 FREQÜÊNCIA CARDÍACA E SISTEMA CIRCULATÓRIO

O sistema circulatório dos seres humanos é um circuito fechado, que leva sangue a todos os tecidos do organismo. O sangue é bombeado pelo coração, criando a “pressão hidrostática” necessária para mover sangue através do sistema. O sangue sai do coração através das artérias e volta a ele pelas veias. (POWERS; HOWLEY, 2000).O ciclo cardíaco é referente a repetição padronizada entre a contração(sístole) e o relaxamento (diástole). Em repouso a contração dos ventrículos durante a sístole ejeta dois terços do sangue contido neles, mantendo um terço nas cavidades ventriculares.

Logo após, os ventrículos se enchem de sangue na diástole seguinte. O aumento da frequência cardíaca (FC) implica em uma maior redução de tempo da diástole, sendo que a sístole é menos afetada (POWERS; HOWLEY, 2000).A regulação da frequência cardíaca é influenciada mais acentuadamente pelo sistema nervoso parassimpático e simpático. As fibras parassimpáticas inervam o coração, liberando acetilcolina, e diminuindo a frequência cardíaca. O centro de controle cardiovascular recebe informações de diversas partes do sistema circulatório relativos à parâmetros importantes como tensão de oxigênio e pressão arterial por exemplo, e envia impulsos motores ao coração em resposta ao a uma alteração na necessidade cardiovascular (POWERS; HOWLEY, 2000).A frequência cardíaca pode ser mensurada pela palpação da artéria radial ou da carótida, pela utilização de um estetoscópio ou pela utilização de eletrodos de superfície que transmitem o sinal a um osciloscópio, eletrocardiógrafo ou um monitor que mostre diretamente a frequência cardíaca.

A contagem da frequência em dez segundos é multiplicada por seis para expressar a FC em batimentos por minuto (bpm) (POWERS;HOWLEY, 2000).A literatura específica relacionada com a frequência cardíaca e atividades em repouso foi encontrada em geral em estados meditativos e hipnose. Peng et al. (1999) estudaram as oscilações da FC em duas técnicas de meditação. Os autores verificaram oscilações extremamente acentuadas durante os dois tipos de meditação. De Pascalis (1998), estudando o ritmo cardíaco durante a lembrança de memórias emocionais em hipnose, descobriu que houve um aumento da FC na lembrança de memórias negativas, quando comparada a memórias positivas durante a hipnose.Estes resultados estão de acordo com os de Sebastiani et al. (2003), que perceberam um aumento na FC e no ritmo respiratório durante a visualização de estímulos negativos durante a hipnose, típicos de estados de excitação. Estes aumentos não correram em estímulos neutros visualizados pelos participantes.

2.10 VISUALIZAÇÃO

Weinberg e Gould (2001) conceituam a visualização ou mentalização como sendo a criação ou recriação mental de uma experiência. Ele é uma recriação da experiência sensorial (ver, sentir e ouvir), porém ocorrida apenas na mente. A visualização pode também criar imagens de situações que ainda não foram vividas, apesar da imaginação basear-se intensamente na memória, é possível construir imagens a partir de diversas partes da memória. Os autores afirmam ainda, que a mentalização, mesmo quando é chamada de visualização, deve conter o máximo de sentidos possível (cinestésico, tátil, auditivo, olfativos, por exemplo).

Murphy, em 1994 (apud WEINBERG; GOULD, 2001), apontou a boa capacidade de mentalização como fatores que diferenciam atletas de elite e não elite ou bem-sucedidos e menos bem-sucedidos. Segundo os autores boa capacidade de mentalização tem sido definida pela nitidez e capacidade de controle das imagens. Weinberg e Gould (2001) dividem a mentalização em mentalização interna(o indivíduo visualiza a execução da ação sob o seu ponto de vista, ou seja, vivenciando a situação) e mentalização externa (o indivíduo se vê do ponto de vista de um observador externo, como se fosse um filme).

Segundo os autores, o fato de um indivíduo praticar a mentalização interna ou externa parece ser menos importante do que ter um estilo confortável, que traga imagens claras e controláveis.O uso da hipnose associada à visualização é relatado por alguns autores.Bryant e Mallard (2003) pesquisaram o grau de realidade e vivacidade atribuídas a imagens visualizadas durante a hipnose. Segundo os autores, os resultados desta pesquisa apontam que a capacidade dos participantes confundirem parcialmente a realidade e a sugestão, indica uma evidência contra a proposição de que relatos hipnóticos são simples imagens “como se” o evento sugerido estivesse ocorrendo. Além disso, estes resultados apontam que os meios pelos quais os indivíduos hipnotizados avaliam a realidade são distintos de situações sem a hipnose.

Participantes hipnotizados podem atribuir realidade a experiências mesmo quando a experiência é caracterizada por mecanismos que são incongruentes com as percepções “normais” de realidade.Liggett e Hamada (1993) fizeram um estudo com ginastas, onde a hipnose foi usada para que eles conseguissem executar pela primeira vez alguns exercícios bastante complexos que eles estavam treinando por mais de um ano. Os ginastas conseguiram eliminar erros de tempo, aumentar a flexibilidade, e possivelmente concentrar a força. O autor sugere que sejam feitas novas pesquisas sobre o uso da hipnose em atletas.Liggett (2000) estudou 14 atletas fazendo visualizações com e sem a hipnose.

Os participantes relataram que a visualização sob hipnose foi mais intensa em diferentes situações (praticando sozinho, praticando na frente de outros, assistindo a um colega de equipe e competindo) e diferentes dimensões (visual, auditiva, cinestésica e afetiva). Assim, o autor conclui que a hipnose aumenta a intensidade das imagens assim como a eficácia da visualização.

2.11 A HIPNOSE NOS ESPORTES

Feijó (1998) apresenta a hipnose Ericksoniana como um instrumento simples e eficiente. Segundo o autor, ela dinamiza a capacidade natural de relaxamento, potência e concentração e rapidamente leva à prontidão psicomotora. O autor afirma, ainda, que a hipnose pode ser aplicada individualmente ou em grupos trazendo sempre bons resultados no aumento da produtividade e da performance do atleta.Mendo (2001) faz um breve histórico sobre a hipnose e, citando algumas técnicas, apresentando a hipnose como uma estratégia científica de intervenção em psicologia do esporte.Patês e Maynard (2000) estudaram os efeitos da hipnose sobre o estado de fluidez de jogadores de golf.

A intervenção consistia em relaxamento,visualização, indução hipnótica, regressão hipnótica, procedimentos de controle do disparo feita durante 5 semanas e 7 sessões. Os participantes indicaram que a intervenção parece ter sido útil em mantê-los confiantes,relaxados e sob controle. Os autores concluíram que a hipnose pode ter melhorado a performance de golfistas, aumentando sensações e cognições associadas à fluidez. Um estudo semelhante feito por Pates,Cummings e Maynard (2002) verificou os efeitos da hipnose em estados de fluidez na performance de jogadores de basquetebol em lances de três pontos.

Os autores pesquisaram 5 atletas de uma equipe de basquete universitária na Inglaterra, observando inicialmente a sua performance como linha de base, e uma fase de tratamento para cada um dos participantes, com o tamanho da linha de base, aumentada por cada jogador bem sucedido usado na análise. A intervenção foi introduzida quando a linha de base estava estabilizada ou quando havia uma tendência na direção oposta da mudança antecipada. A intervenção(hipnose) foi aplicada até que todos tivessem recebido a intervenção. Os autores verificaram que a intervenção da hipnose aumentou a precisão na performance do lançamento de três pontos. Eles também observaram um aumento nos escores de estados de fluência em cada um dos 5 participantes.

Pates, Cummings e Maynard (2002) concluem então, que a hipnose aumenta tanto a precisão quanto à fluência da performance de atletas de basquete no lance de três pontos.Masters (1992) descreve algumas características de maratonistas com relação à hipnose. Segundo o autor, maratonistas que utilizam a dissociação como uma estratégia de corrida durante a maratona, demonstraram ter uma relação direta com a susceptibilidade ao transe hipnótico, ou seja, quanto mais dissociação, mais susceptibilidade ao transe. Aqueles que utilizaram a dissociação como estratégia durante o treinamento, tiveram maior suscetibilidade ao transe hipnótico do que outros corredores.

Em uma comparação entre a hipnose Ericksoniana e o estado psicofisiológico da arte marcial japonesa Aikido, Windle e Samko (1992)encontram algumas semelhanças. Os autores descrevem, por exemplo, ouso da resistência do adversário no Aikido, como semelhante ao uso da resistência para a indução do transe hipnótico. O transe compartilhado também é comparável ao estado psicofisiológico de centrar-se. A aplicação da hipnose através de um modelo isomórfico é sugerida pelos autores Robazza e Bortoli (1994). Os autores sugerem que a hipnose alerta-ativa seja induzida antes e durante a prática esportiva, enquanto que a hipnose tradicional seja induzida após a prática esportiva, para estabelecer uma conexão entre as duas.

O modelo é baseado na idéia deque hipnose e performance motora compartilham de habilidades possíveis de serem modificadas através do treinamento. O modelo considera também a similaridade entre hipnose e o auge da performance.Robazza e Bartoli (1995) estudaram também o caso de melhora no desempenho esportivo com o uso da hipnose. Segundo os autores, em um estudo de caso usando o modelo isomórfico, houve melhora na performance de um atleta de arco e flecha após 20 sessões de treinamento mental.

Crews (1992) estudou a relação entre estados psicológicos e economia na corrida. O autor afirma que a simulação induzida pela hipnose e visualização foi efetiva na mudança de resposta ao exercício, como por exemplo na performance e na frequência cardíaca. A percepção alterada pelo uso da hipnose e características de personalidade não alteraram a resposta fisiológica ao exercício, provavelmente por causa do papel passivo do praticante nestas situações. Estratégias cognitivas, tais como biofeedback, enfrentamento e estratégias mentais eliciaram mudanças nas respostas fisiológicas e comportamentais ao exercício. O autor conclui que o estado psicológico pode influenciar a resposta fisiológica e comportamental ao exercício, e sugere o uso do método multidisciplinar para examinar os efeitos interacionais da fisiologia, biomecânica,psicologia e neurologia para adequadamente delinear os mecanismos de mudanças de economia na corrida.

3 MÉTODO3.

1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

A pesquisa caracteriza-se por ser qualitativa, quantitativa-descritiva, quase experimental, pois pretende investigar a experiência subjetiva de atletas de triatlon em relação ao transe hipnótico através da análise da entrevista semiestruturada (APÊNDICE 1) e do questionário (APÊNDICE 2).

Segundo Biasoli-Alves (1998, p. 147), no Sistema Quantitativo – Descritivo,“… o pesquisador explora as respostas ou os comportamentos tal como foram apresentados pelo participante. Este tipo de análise cobre a função de fornecer informações objetivas, e no caso de aplicação de provas estatísticas, se julgadas necessárias descrever as ações, os padrões característicos ou mesmo estabelecer correlações entre variáveis. ”A análise quantitativa – descritiva constitui-se na verificação de frequência simples de ocorrência a cada alternativa nas questões fechadas, seguida de cálculo de porcentagem. No passo final vem a construção de tabelas, gráficos e perfis para a posterior descrição e discussão dos resultados(BIASOLI-ALVES, 1998).

O Sistema Qualitativo, de acordo com Biasoli-Alves (1998), tem por característica a busca pela apreensão de significados nas falas ou em outros comportamentos observados do participante. Estes significados integrados ao contexto em que estão inseridos e delimitados pela abordagem conceitual do pesquisador, constituem na escrita, uma sistematização com base na qualidade, sem ambição de atingir a fronteira da representatividade.

Segundo Andrade (2001),a pesquisa qualitativa pode ser considerada um método que permite aprofundar a apreensão da realidade social e subjetiva, através de um olhar cuidadoso, paciente e exaustivo sobre as informações obtidas, o contexto no qual está inserida e os aspectos históricos e mais sutis da realidade (ANDRADE, 2001, p. 109)Considerando que a frequência cardíaca foi analisada no início e no final de cada sessão, mesmo não havendo grupo controle, a classificação de estudo quase-experimental com delineamento de um grupo pré e pós-teste é adequada ao presente estudo (THOMAS; NELSON, 1990).

3.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA

Fizeram parte da pesquisa 7 atletas de triatlon, do sexo masculino com média de idade de 33,57 anos (± 5,653). Os atletas faziam parte de uma equipe esportiva e encontravam-se em nível semelhante de desempenho esportivo, com média de 7 anos (± 3,651) de prática de triatlon. O pré-requisito para a participação na pesquisa, além de boas condições de saúde, era a experiência de ter completado pelo menos uma prova de Ironman. A experiência com a prova é mais importante do que o tempo de prática do triatlon, pois a visualização foi baseada nesta prova. Todos os atletas cumpriram este requisito.

Os atletas possuíam condições próximas de treinamento e acompanhamento médico, nutricional, fisioterápico e psicológico.Foi feita uma entrevista inicial com cada atleta adquirindo informações relacionadas às suas condições de saúde, medicamentos usados,suplementação utilizada, lesões crônicas ou temporárias, tempo de treinamento, tempo de prática do triatlon, assim como motivos pelos quais praticam o triatlon. Estes dados são importantes na medida em que o atleta deve estar em boas condições de saúde para participar do estudo,não estar tomando medicamentos que interfiram na sua percepção cognitiva e também para uma melhor caracterização da amostra.

3.3 CARACTERIZAÇÃO DO TRIATLON E DA PROVA DE IRONMAN

O triatlon é uma atividade de enduro composta por três modalidades praticadas consecutivamente: natação, ciclismo e corrida (O’TOOLE;DOUGLAS; HILLER, 1998). A prova de Ironman consiste em 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo, e 42,2 km de corrida (SCHOFIELD et al.,2002).

3.4 CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL

O local para a realização da pesquisa foi uma sala de atendimento psicológico, de aproximadamente 12 metros quadrados. A sala possuía boa iluminação e ventilação. Os participantes ficaram acomodados em uma poltrona reclinável, tendo a possibilidade de adequação da posição ao conforto de cada participante. O ambiente silencioso e confortável permitiu condições favoráveis para a coleta dos dados.

3.5 CARACTERÍSTICAS E VARIÁVEIS PESQUISADAS

O roteiro da entrevista semiestruturada (APÊNDICE 1) foi composto por três partes, que no momento da análise foram transformadas em temas.Desta forma, os temas centrais são: Processo Inicial do Transe,Visualização e Retorno do Transe.Dentro de cada tema proposto, foram criadas categorias de acordo com a informação apresentada pelos participantes aliada à literatura estudada.Esta categorização das informações, baseada no modelo de Andrade(2201), permitiu reunir relatos coincidentes dos participantes, sendo possível ter uma visão geral da vivência destes durante o transe. 

Algumas Categorias geraram respostas diversificadas, o que possibilitou a criação de subcategorias para a maior especificação das informações relatadas.Assim, o tema Transe Inicial foi dividido nas seguintes categorias e subcategorias:– Relaxamento: Percepção Sensorial/ Aumento da sensibilidade/Percepção das batidas do coração/ Sensação de formigamento ou dormência / Percepção de peso de membros/ Percepção de temperatura de membros;– Início do Transe: Sensação de iniciar gradativamente / Sensação de iniciar rapidamente;– Concentração: Concentrado/Sem concentração;– Percepção Auditiva: Atenção no som da voz e/ou música -Não ouvir a voz e/ou o som da música;– Anestesia;– Catalepsia;– Sensação de sonolência;– Dissociação;– Consciência;O tema Visualização foi dividido nas seguintes categorias e subcategorias:– Concentração/ Concentrado/Sem concentração;

Auto percepção na Imagem: Dentro da imagem/Fora da Imagem/Intercalando;– Intensidade da Visualização: Forte/ Moderada/Fraca– Sensação de Relaxamento;– Anestesia;– Qualidade das Imagens: Qualidade boa/ Qualidade ruim/Sem imagens– Associação das Sensações da Prova;– Percepção auditiva: Ouvindo sons/ Não ouvindo sons/Às vezes ouvindo,às vezes não/ Confusão em relação aos sons– Dissociação;– Percepções Durante o Transe: Sensoriais (temperatura, peso, contrações involuntárias) /Sensação de tranquilidade, paz/ Sensação de ter um sonho ou dormir/ Sensação de Agitação;– Amnésia;– Hipermnésia;– Consciência: Estar consciente/Não estar consciente;– Controle da Imagem: Com controle/Sem controle;– Catalepsia;– Aumento da sensibilidade;– Alucinação;– Regressão.O tema Retorno do Transe foi dividido nas seguintes categorias e subcategorias:– Sensação de Saída do Transe: Tranquila, natural, fácil ou normal/Sensação de querer ficar no transe/Volta gradativa/ Volta Repentina;– Sensações depois do Transe: Bem tranquilo, relaxado, preguiçoso ou descansado/ Como se tivesse acordado, com sono/Apreensivo;– Velocidade de Retorno: Rápido ou automático/ Demorado, devagar ou com resistência;– Sensações de Prazer;– Controle: Com controle/ Sem controle;– Percepção psicofísica;– Percepção Externa;– Consciência;– Amnésia;– Catalepsia;– Concentração.

O questionário (APÊNDICE 2) respondido pelos participantes estava dividido em três partes: Percepção Cinestésica/Física, Percepção Auditiva e Percepção Visual. Na primeira parte do questionário, foram investigados aspectos sensitivos relacionados às seguintes partes do corpo: mãos, braços, pés, pernas,tronco, pescoço e cabeça. Perguntas relacionadas à respiração,intensidade da visualização e tempo percebido de transe, também estavam inseridos nesta parte do questionário.A segunda parte do questionário, continha perguntas relacionadas à percepção auditiva dos participantes nos seguintes aspectos: sons externos, voz do terapeuta, som da música e sons da visualização da prova de Ironman.A terceira e última parte do questionário, continha perguntas investigada os seguintes aspectos visuais: cores, nitidez, luminosidade, tamanho,detalhes, movimentação e perspectiva visualizada.A frequência cardíaca foi a variável fisiológica direta pesquisada.

3.6 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Foram utilizados os seguintes instrumentos neste estudo: um roteiro de entrevista semiestruturada (APÊNDICE 1), um questionário (APÊNDICE 2) é um frequencímetro, descritos detalhadamente a seguir.A entrevista utilizada no estudo foi uma entrevista semiestruturada(APÊNDICE 1).A entrevista semi estruturada caracteriza-se por ter questões flexíveis,tendo a sequência e a minuciosidade por conta do discurso dos participantes e da dinâmica que ocorre naturalmente(BIASOLI-ALVES, 1998). As questões neste caso são abertas e devem “evocar’ ou ‘suscitar’ uma verbalização que expresse o modo de pensar ou agir das pessoas face aos temas focalizados, frequentemente elas dizem respeito a uma avaliação de crenças, sentimentos, valores, atitudes,razões e motivos acompanhados de fatos e comportamentos.(BIASOLI-ALVES, 1998, p. 145).

A entrevista foi dividida em três partes: questões sobre o Transe Inicial,perguntas sobre a Visualização e perguntas sobre a Saída do Transe. Esta Divisão permitiu que posteriormente houvesse uma organização mais clara para a análise do seu conteúdo.O questionário (APÊNDICE 2) elaborado especialmente para esta pesquisa,contém 16 perguntas fechadas e uma aberta (questão 10). Segundo Cervoe Bervian (1983), o questionário possui um conjunto de questões, todas logicamente relacionadas com um problema central (p. 159).

A medição da FC foi feita por meio de um frequencímetro cardíaco constituído por um sensor que registra os batimentos cardíacos em intervalos de 5 segundos. Este sensor é preso no tórax do participante por meio de uma fita elástica e transmite informações a um aparelho semelhante a um relógio de pulso. As informações são armazenadas neste aparelho e posteriormente transferidas para o computador através de uma interface direta apropriada para esta função. 

Após este procedimento, os dados são processados através de um software específico. O frequencímetro cardíaco é da marca Polar® modelo VantageNS, e seus dados processados pelo software Polar Precision Performance 

2.1.3.7 ESTUDO PILOTO

O estudo piloto foi feito com três atletas de triatlon, que já participaram do Ironman pelo menos uma vez. Estes participantes fizeram parte somente do estudo-piloto. Foram feitas 8 sessões com os atletas sendo a primeira constituída pela conversa inicial, onde foram esclarecidos os procedimentos da pesquisa, tiradas as dúvidas, assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e feita a primeira sessão de ambientação. Depois foram feitas mais duas sessões de ambientação, 5 sessões de hipnose seguidas da entrevista (APÊNDICE 1) e a aplicação do questionário (APÊNDICE 2). Durante todas as sessões foi pedido ao atleta que utilizasse o frequencímetro cardíaco.O estudo piloto teve como objetivo aprimorar o método utilizado na pesquisa. 

Foi verificada a adequação das perguntas norteadoras da entrevista, e esta foi adaptada para a pesquisa principal. As questões do questionário (anexo 2), também foram verificadas, havendo modificações para facilitar a análise do mesmo. O número apropriado de sessões de ambientação e de hipnose foi modificado após o estudo piloto. O relatório e análise do estudo piloto encontra-se no APÊNDICE 4.

3.8 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS 

A coleta de dados foi feita durante oito sessões com duração variada de acordo com a duração da visualização da prova. Não foi possível padronizar o tempo de cada sessão com exatidão, porém a média foi calculada e está descrita no Capítulo 4. Também não foi possível padronizar o horário da coleta em função dos treinos e das atividades particulares de cada atleta. O intervalo mínimo entre cada sessão foi de uma semana. Durante a primeira sessão foi explicada a pesquisa e seus procedimentos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE 3).

Após a assinatura do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido, foi pedido ao participante que colocasse o frequencímetro cardíaco e se acomodasse confortavelmente na poltrona, onde ficou por alguns minutos para se acostumar com o local. Foi explicada ao participante da pesquisa a importância desta ambientação para o sucesso da pesquisa. Na sessão que seguiu, foi pedido ao atleta que colocasse o frequencímetro cardíaco e apenas relaxasse na poltrona (ambientação) da seguinte maneira:– (nome do atleta) por favor, coloque o Polar, e sente-se na poltrona.Procure uma posição confortável. Apenas relaxe seu corpo, procurando acomodá-lo de forma que você fique bem confortável. 

Você permanece relaxado por alguns minutos. Logo em seguida eu vou lhe chamar de volta.As seis sessões seguintes constituíram as sessões em que foram aplicadas a hipnose.Segue a descrição das sessões:1) Cumprimentos: olá (nome do atleta), tudo bem? Hoje nós vamos fazer a primeira (ou mais uma) sessão de hipnose.2) Colocação do Polar: (nome do participante), por favor, coloque o Polar sente-se confortavelmente na poltrona;3) Instrução de relaxamento corporal: encontre uma posição que ajudará você a relaxar e aproveitar a experiência. Verifique se existe alguma parte do seu corpo que possa relaxar ainda mais. Às vezes um pequeno movimento pode fazer com que você fique ainda mais confortável e relaxado;4) Indução da hipnose (a indução foi feita de acordo com o modelo de Erickson (ERICKSON; HERSHMAN; SECTER, 1994), com a técnica de Acompanhamento da Experiência Corrente): enquanto você vê o que você vê na sua frente… e ouve o som da minha voz… e ouve o som da música…e percebe os seus braços encostados na poltrona… e percebe seus pés apoiados no chão, você pode notar como a sua mente se prepara para relaxar mais profundamente agora. Neste modelo foram utilizadas 5 experiências externas (EE) e 1 experiência interna (EI), depois 4 EE e 2 EI,depois 3 EE e 3 EI, depois 2 EE e 4 EI, depois 1 EE e 5 EI. 

A partir deste momento serão colocadas apenas experiências internas, iniciando oaprofundamento do transe. Entende-se por experiências externas situações que estão acontecendo no momento da indução e que são externas ao participante (música tocando, temperatura do ar, etc.). Já as experiências internas são sensações que o participante pode estar vivenciando durante o relaxamento (sensações musculares, pensamentos,etc.). Esta passagem das experiências externas para as experiências internas permitiu que o participante da pesquisa fosse gradativamente se desligando do meio externo, e entrando em contato com suas sensações internas, tanto físicas quanto psicológicas. No aprofundamento do transe foi utilizada a técnica de contagem regressiva (10 a 1).5) Visualização da prova de Ironman: …eu gostaria que agora você se permitisse visualizar a prova de Ironman. Você pode começar com a largada da prova… veja tudo o que você viu, ouça os sons que você ouviu,e sinta como é estar nesta prova agora. 

E assim segue com cada parte da prova, seguindo a sequência: largada, natação, transição, ciclismo,transição, corrida e chegada.6) Trazendo de volta: a forma como o participante foi trazido de volta foi a contagem progressiva. Nesta contagem a terapeuta contava de 1 a 10,dando um espaço de tempo entre os números para que o atleta fosse se reorientando. Assim, em cada número, sugestões de reorientação foram sendo ditas (1, e você pode começar a ouvir mais claramente o som da música, 2 você pode perceber a sua respiração, e assim por diante).7). Após o retorno do transe foi retirada a fita elástica do frequencímetro cardíaco, feita a entrevista (APÊNDICE 1) e a aplicação do questionário(APÊNDICE 2).

3.9 ANÁLISE DOS DADOS

3.9.1 Análise das Informações das Entrevistas

As entrevistas foram gravadas e transcritas de forma literal. A análise das entrevistas foi feita de acordo com a técnica de Bardin (1977 apud ANDRADE, 2001) aliada à técnica do espelho (ANDRADE, 2001). “A ‘técnica do espelho’ significa colocar ‘lado-a-lado’ os conteúdos mais importantes dos depoimentos, na forma de ‘micro discursos’ obtidos nas entrevistas”(p. 127). Esta técnica tem o objetivo de permitir comparações e análises qualitativas mais aprofundadas da realidade investigada.A análise das entrevistas foi realizada através de etapas que permitiram organizar de forma coerente o conteúdo das entrevistas. Esta organização fez possível uma visão facilitada da experiência vivida pelo grupo durante as sessões de hipnose.

Foi feita uma Matriz apresentando os trechos mais relevantes das entrevistas agrupados de acordo com as categorias e subcategorias de análise. Colocou-se o código A, B, C, D, E, F e G para os participantes e os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 correspondendo às sessões de hipnose. A escolha das letras correspondentes aos participantes foi aleatória. Desta forma, oparticipante D na entrevista da sessão 4 de hipnose, será representado por D4. O participante G na entrevista da sessão 5 de hipnose, será representado por G5, e assim sucessivamente.

A análise dos dados das entrevistas foi feita inicialmente pela leitura minuciosa das entrevistas transcritas, destacando os trechos mais relevantes dos discursos. Em seguida, estas partes dos discursos foram retiradas do texto e “coladas” em uma matriz dentro dos respectivos temas. Nesta matriz, foram organizadas as partes do discurso de acordo com as possíveis categorias inicialmente propostas pelo conhecimento prévio da literatura. Aquelas partes do discurso consideradas relevantes, e que por ventura pudessem gerar novas categorias além das propostas inicialmente, foram categorizadas de acordo com o comportamento descrito pelos participantes. Sendo possível visualizar as categorias e as partes dos discursos nelas presentes, fez-se necessária a criação de subcategorias dentro de algumas categorias, para dar maior especificidade à percepção relatada pelo participante. 

Assim, na categoria Velocidade de Retorno, por exemplo, apareceram discursos como o de F3 “foi de repente” e o de D3 “Demorou um pouco mais”, que exigiram sub categorias diferenciadas em rápido ou automático e demorado,devagar ou com resistência.

3.9.2 Tratamento dos dados do questionários 

As respostas dos participantes obtidas através do questionário foram inicialmente transpostas para o softwear SPSS, versão 11.0, onde foi composto um banco de dados. Estes dados foram analisados por meio de estatística descritiva, sendo elaboradas tabelas de porcentagem para todos os itens, exceto para a variável tempo percebido de transe (item 10)onde foi calculada a média e desvio padrão. O teste qui quadrado foi utilizado para testar as correlações existentes entre as respostas dadas pelos participantes da pesquisa. Na primeira parte do questionário,denominada Percepção Física, foram testadas as correlações entre a percepção de peso e temperatura; relaxamento de tronco e relaxamento do pescoço; ritmo e intensidade da respiração. 

As correlações existentes entre as percepções dos sons foram testadas nas variáveis volume e distância dos sons externos; volume e distância da voz da terapeuta;volume da música e volume dos sons externos. Na última parte do questionário, onde foram investigadas as percepções das características das imagens da visualização, foram testadas as correlações entre cores e foco; claridade e foco; tamanho e movimento; cores e claridade; cores e detalhes, tamanho e detalhes; detalhes e movimentação e autopercepção da imagem e intensidade da visualização. O nível de significância considerado foi de p < 0,05. 

3.9.3 Tratamento dos dados da frequência cardíaca 

A frequência cardíaca (FC) foi registrada durante todo o transe hipnótico, sendo considerado o início do transe, o momento em que o participante fechava os olhos, e o final do transe (o momento que o participante abria seus olhos). Médias e desvio padrão foram calculados com os dados da frequência cardíaca e feito o teste t de student para verificar a significância estatística. O índice de significância foi de p< 0,05. 

3.10 ASPECTOS ÉTICOS 

No primeiro encontro com o atleta foram explicados detalhadamente os objetivos da pesquisa assim como seus procedimentos. Após este esclarecimento o atleta assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE 3). Esta pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética da UDESC com número de referência 103/05. 4 RESULTADOS Os resultados são apresentados neste capítulo na seguinte ordem: descrição do conteúdo das entrevistas, apresentação dos dados do questionário e análise do comportamento da frequência cardíaca. 

4.1 DESCRIÇÃO DO CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS 

As entrevistas (n = 42 participantes) permitiram uma compreensão mais aprofundada acerca da experiência vivida pelos participantes durante as sessões de hipnose. Os discursos dos participantes da pesquisa quando inseridos nos temas, categorias e subcategorias descritas anteriormente, puderam ser visualizados de forma clara e organizada neste capítulo. 

4.1.1 Processo Inicial do Transe 

No Processo Inicial do Transe (Tabela 1), a maioria dos triatletas sentiu-se relaxado (n = 35) como verificado no discurso de A4 “...senti relaxar” e D2 “...estava totalmente relaxado... bem relaxado”. A sensação de relaxamento constante no início do transe hipnótico nos dá a indicação de que esta é uma característica importante nesta fase do transe. Ainda durante esta fase, as percepções sensoriais foram relatadas com frequência pelos atletas (n = 34). Alguns dos participantes da pesquisa perceberam a sensibilidade corporal aumentar (n = 8), especialmente a sensibilidade do toque das roupas ou a atenção ao próprio corpo, como mostra o discurso de F2 “a sensação do corpo, também eu senti, por exemplo o tendão, esse sapato tem laços...”. 

Alguns atletas sentiram partes do corpo formigando ou dormentes (n = 7) como pode ser observado na fala de E1, “mas a mão e o pé começaram a formigar”. A sensação de mudança de peso corporal foi percebida menos vezes pelos atletas no início do transe hipnótico (n = 6). O participante da pesquisa G1 percebeu seu corpo mais leve, como mostra seu discurso “...é o peso mais leve do corpo”. Os atletas perceberam a temperatura corporal mudar (n = 6) geralmente sentindo o aquecimento do corpo todo ou de partes dele. Esta sensação é possível ser verificada no depoimento de D2 “...assim pré aquecido, a mão aquecida, o corpo todo bem aquecido”. 

Em alguns momentos os atletas sentiram as batidas do coração (n = 5). Essa percepção indica um aumento da sensibilidade dos atletas não somente em relação ao ambiente externo, como visto no aumento da sensibilidade corporal, mas também em relação ao comportamento e reações do próprio corpo. O atleta A4 é um bom exemplo: “eu percebo muito meu coração, né, batendo”. É possível afirmar que os atletas perceberam sinais típicos do transe hipnótico nesta fase inicial. Os atletas perceberam o início do Transe de duas formas distintas. Alguns atletas sentiram a entrada no transe gradativamente (n = 12) como aponta C1: “vai entrando no clima de preparação mais parado, mais quietinho e aí quando fecha os olhos parece que vem, começa tudo vir mais forte”. Menos frequentemente os atletas perceberam essa passagem de maneira rápida (n = 6) como aconteceu com F3 “Eu relaxei rápido. De repente eu freei. De uma hora para outra”. A passagem gradativa para o transe mostra como os atletas foram se desligando do mundo externo e se interiorizando, entrando em contato mais direto consigo mesmos, suas sensações, seus sentimentos e seus pensamentos mais profundos. 

Nesta fase inicial do transe os atletas se concentraram em níveis diferentes. Por mais vezes os atletas estavam em um nível elevado de concentração (n = 11) “bem focado, sem pensar em mais nada” (B5). No entanto, outros atletas relataram não estar concentrados durante o transe hipnótico (n = 6), como coloca G2 “...não me concentrei tanto como da outra vez”. É possível afirmar que no início do transe os participantes tendem a ter um nível alto de concentração. Em relação aos sons, os atletas demonstraram uma atenção maior ao som da voz da terapeuta e ao som da música (n = 12). O discurso de D1 aponta claramente esta característica: “só escutava tua voz a música no fundo”. 

Poucas vezes os atletas não ouviram a voz da terapeuta e/ou o som da música (n = 4). Isto mostra que os participantes nesta fase, encontram-se parcialmente voltados ao mundo exterior. Alguns participantes da pesquisa perceberam o corpo de alguma forma anestesiado no início do transe (n = 12). O discurso de D2 nos mostra como ele perdeu a sensibilidade do corpo durante essa fase do transe: “Teve momentos assim que eu não me senti mesmo... não percebi mais o corpo... não consegui sentir mais o corpo...”. Alguns não mexeram o corpo no início do transe hipnótico (n = 10). Este fenômeno é conhecido na literatura como catalepsia. Esse foi o caso de D2: “ao mesmo tempo que eu sentia que eu estava na cadeira, preso, que eu não tinha como sair daqui”. Alguns atletas sentiram-se sonolentos durante o início do transe (n = 9), “achei que estava dormindo, mas foi só no começo...” (E5). A percepção destes fenômenos pelos participantes da pesquisa comprova a entrada no transe hipnótico e nos informa as primeiras características do transe hipnótico em triatletas. Poucas vezes os atletas mencionaram nas entrevistas perceber seu estado de consciência (n = 4) ou perceberem-se dissociados do seu corpo (n = 3) no início do transe. 

Uma visualização geral sobre a percepção dos participantes no Processo de Entrada no Transe, é possível no Tabela 1 a seguir, onde estão descritas as categorias e subcategorias referentes à essa fase do transe hipnótico. As categorias foram posicionadas da maior frequência de percepção, para a menor frequência de percepção. Tabela 1 - Percepções de Atletas de Triatlon durante o Processo Inicial do Transe Categorias N Relaxamento 35 (83,3%)** Percepção Psicofísica Aumento da sensibilidade Sensação de formigamento ou dormência Percepção de peso de membros Percepção de temperatura de membros Percepção do Coração Salivação 34 (80,9%)** 8 (23,5%) § 7 (20,6%) § 6 (17,6%) § 6 (17,6%) § 5 (14,7%) § 2 (6%) § Entrada no Transe Sensação de entrar gradativamente Sensação de entrar rapidamente 18 (42,8%)** 12 (66,6%) § 6 (33,33%) § Concentração Concentrado Sem concentração 17 (40,5%)** 11 (64,7%) § 6 (35,3%) § Percepção auditiva Atenção no som da voz e/ou som da música Não ouvir a voz e/ou som da música 16 (38,1%)** 12 (75%) § 4 (25%) § Anestesia 12 (28,6%)** Catalepsia 10 (23,8%)** Sensação de sonolência 9 (21,4%)** Dissociação 4 (9,5%)** Consciência 3 (7,1%)** Número de entrevistas em que os relatos apareceram 

Porcentagem relativa ao N total das entrevistas (42) § Porcentagem relativa à categoria 4.1.2 Visualização A segunda parte da entrevista, investigou a percepção dos atletas sobre aspectos relacionados à experiência de Visualizar (Tabela 2) a prova de Ironman. Estes aspectos podem ter relação com o estado físico ou psicológico do atleta, assim como relação com as próprias imagens percebidas. Os atletas relataram estar concentrados durante a fase da visualização (n = 24). A concentração aparece nitidamente como em B4 “eu consegui desligar lá de fora e concentrar na prova...”, D1 “...eu sinto que fico bem concentrado. ” e F1 “eu acho que fiquei 100% concentrado”. 

O fato dos atletas estarem mais concentrados do que (não concentrados n = 9) nos indica que a hipnose pode colaborar para a concentração durante a visualização. A perspectiva pela qual o atleta se percebia na visualização da prova está apontada na categoria Auto Percepção na Imagem. Os atletas variaram em três diferentes perspectivas: em 14 ocorrências os participantes da pesquisa relataram ficar intercalando entre estar dentro e fora da prova; em 12 vezes eles estavam dentro da prova e em 11 vezes se viam de fora da prova. 

O atleta G1 intercalava entre estar dentro e fora da prova: “teve momentos que eu me senti eu mesmo pedalando... em alguns momentos eu me via”. Vivenciar a prova dentro da imagem é relatado por D2 “estava vivenciando, eu estava dentro...”. Ver-se fora da prova, ou seja, se assistindo fazer a prova, é evidenciado no relato de A2 “eu me visualizando de fora”. Estes dados indicam que os triatletas variam a perspectiva pela qual eles visualizam a prova de Ironman e, portanto, não há uma tendência clara sobre que perspectiva eles se percebem nesta prova. 

A Intensidade que os participantes da pesquisa vivenciavam a visualização da prova mostra o quanto eles tiveram facilidade em visualizar e de sentir- se realmente fazendo a prova. Alguns atletas vivenciaram a prova intensamente (n = 14), como D4, por exemplo “Consegui viver bem, vivência dela assim foi bem intensa”. Outros vivenciaram a prova com menos intensidade (n = 10), como relata E1 “...nota entre 1 a 10, daria 2 a 2,5”. Devido à proximidade do número de relatos entre os diferentes níveis de intensidade, não foi possível concluir em que sentido a hipnose influencia na intensidade da visualização em triatletas. 

Frequentemente a sensação de ter o corpo ou, parte dele, anestesiado foi percebida pelos atletas durante a visualização (n = 19). Os relatos de B3, D3 e D6 são exemplos de como eles perceberam a anestesia: B3 “eu não estava sentindo o corpo...”, D3 “...não sinto ele na poltrona” e D6 “eu não senti o corpo de novo”. Isto significa que o fenômeno hipnótico da anestesia se manteve também na fase da visualização da prova. Durante essa fase do transe hipnótico, os atletas sentiram-se relaxados (n = 18), sendo que alguns atletas sentiram o corpo profundamente relaxado como D1 “...eu estava totalmente relaxado” e F1 “o corpo totalmente relaxado”. Isso mostra que mesmo durante a visualização da prova, os participantes mantiveram o estado de relaxamento proporcionado pela hipnose. Alguns atletas sentiram sensações durante a exibição (n = 17), o que comprova que a hipnose pode trazer à tona sensações de um evento que está apenas sendo imaginado. Esta sensação pode ser observada nos relatos de C1 “me senti na situação de competição realmente” e G1 “teve momentos que eu me senti eu mesmo pedalando, que marcha eu estava...”. 

A qualidade das Imagens visualizadas pelos participantes da pesquisa foi boa (n =10), ou seja, os atletas foram capazes de ver mentalmente imagem com boa qualidade de cores e nitidez, por exemplo. O discurso de G3 mostra essa capacidade de visualizar imagens de boa qualidade: “pela primeira vez consegui ver alguma coisa com os olhos fechados... e tive mais nitidez no começo... eu visualizei bem mais hoje... estava nítido”. Menos frequentemente os participantes não viram imagens de boa qualidade (n = 4). Desta forma a hipnose facilita a visualização de imagens nítidas e coloridas. Durante o transe hipnótico, os atletas tiveram outras sensações além daquelas apresentadas anteriormente. 

As chamadas percepções sensoriais (sensações de temperatura; peso e contrações musculares) foram relatadas algumas vezes durante a visualização da prova (n = 6), como mostra o relato de G4 “senti a mão um pouco mais quente”. Sensações de tranquilidade e paz também foram algumas vezes nesta fase do transe (n=4). O discurso de A6 aponta essa percepção: “uma sensação de paz assim...”. Poucos atletas tiveram a sensação de ter dormido ou ter tido um sonho. (n = 3). Apenas um atleta sentiu-se mais agitado durante o transe hipnótico, porém sem especificar de que maneira isso ocorreu. Os atletas perceberam os estímulos auditivos de diferentes maneiras. Algumas vezes ouviram sons (n = 6) especialmente a voz da terapeuta, como mostra o discurso de D3 “ao mesmo tempo que eu estava dormindo, eu consegui ouvir a tua voz”. Outras vezes, porém com menor freqüência, não ouviram sons (n = 4), como mostra A2 “muitas vezes eu nem escutava mais a tua voz”. Poucas vezes os participantes intercalavam entre estar e não ouvindo (n = 2) ou perceberam-se confusos em relação aos sons (n = 1). 

Isto mostra que a voz da terapeuta tem um papel importante também na visualização da prova durante o transe hipnótico. Alguns atletas referiram sentir seu corpo “separado da mente”, fenômeno chamado na literatura de Dissociação (n = 13). O relato de D1 aponta de forma clara esse fenômeno: “eu não estava aqui no meu corpo... fiquei fora, engraçado, fora de mim...”. O aparecimento da dissociação durante a fase da visualização confirma o estado hipnótico em que se encontravam os atletas ainda nesta fase, apontando mais uma característica do transe hipnótico com atletas. Alguns atletas esqueceram partes da visualização e da experiência do transe caracterizando a amnésia (n = 10). 

Este fenômeno pode ser verificado no discurso de D1 “engraçado, eu não me lembro de algumas coisas que pensei...”. Já a lembrança de detalhes particulares de experiências vividas anteriormente, conhecida como hipermnésia, foi vivenciada por menos atletas (n = 8). O fenômeno da hipermnésia aparece claramente na fala de G3 “a areia estava gelada ainda, o sol, andando descalço, né? Então é incrível como a gente consegue resgatar tantos detalhes...”. Esses dois fenômenos característicos da hipnose durante a visualização nos dão indícios mais precisos de que o estado hipnótico se manteve durante toda a vivência. 

Tabela 2 - Percepções de Atletas de Triatlon durante a Visualização da Prova de Ironman Categorias N Auto percepção nas imagens Intercalando (dentro e fora) Dentro da imagem Fora da imagem 37 (88,1%)* 14 (37,8%)§ 12 (32,4%)§ 11 (29,7%)§ Concentração Concentrado Sem Concentração 33 (78,6%)** 24 (72,7%)§ 9 (27,2%)§ Intensidade da visualização Forte Fraca Moderada 28 (66,6%)** 14 (50%)§ 10 (35,7%)§ 4 (14,3%)§ Anestesia 19 (45,2%)** Sensação de relaxamento 18 (42,8%)** Qualidade das imagens Qualidade boa Qualidade ruim Sem imagens 16 (38,2%)** 10 (62,5%)§ 4 (25%)§ 2 (12,5%)§ Sensações durante o transe Físicas (temperatura, peso, contrações involuntárias) Tranquilidade, paz Sensação de sonho ou dormir Agitação 14 (33,3%)** 6 (42,8%)§ 4 (28,6%)§ 3 (21,5%)§ 1 (7,1%)§ Dissociação 13 (30,9%)** Percepção auditiva Ouvindo Não ouvindo Às vezes ouvindo, às vezes não ouvindo Confusão em relação aos sons 13 (30,9%)** 6 (46,1%)§ 4 (30,8%)§ 2 (15,4%)§ 1 (7,7%)§ Amnésia 10 (23,8%)** Hipermnésia 8 (19%)** Consciência Estar consciente Não estar consciente 7 (16,6%)** 6 (85,7%)§ 1 (14,3%)§ Controle da imagem Com controle Sem controle 7 (16,6%)** 6 (85,7%)§ 1 (14,3%)§ Catalepsia 3 (7,1%)** Aumento da sensibilidade 2 (4,7%)** Alucinação (positiva ou negativa) 1 (2,4%)** Regressão 1 (2,4%)** Número de entrevistas em que os relatos apareceram 

Porcentagem relativa ao N total das entrevistas (42) § Porcentagem relativa à categoria Alguns atletas estavam em geral conscientes durante o transe (n = 6), como narra D4 “essa eu consegui ficar bem consciente, consciente assim, bem centrado”. Poucas vezes os participantes relataram estar inconscientes (n = 1). Os atletas relataram estar controlando as imagens da visualização (n = 6). O discurso de G4 apresenta mostra esse controle: “eu procuro buscar a minha visualização... hoje eu visualizei um tipo de prova ideal”. Percepções de Catalepsia, Aumento da sensibilidade, Alucinação e Regressão não foram mencionadas de forma significativa durante as entrevistas como mostra a Tabela 

2. 4.1.3 Retorno do transe 

As percepções dos participantes da pesquisa relacionadas ao Retorno do Transe (Tabela 3) foram investigadas na última parte da entrevista. O retorno do transe foi considerado desde o momento em que termina a visualização do Ironman, até o momento em que os participantes abrem os olhos, voltando ao estado de alerta. A Sensação de Saída do Transe aconteceu de diferentes maneiras entre os participantes da pesquisa. Os atletas saíram do transe de forma tranquila, natural, fácil ou normal (n = 20), como pode ser verificado nos relatos de B1: “Muito tranquilo, bem calmo...” e D2 “foi bem natural, bem tranquilo...”. Alguns atletas retornaram gradativamente (n = 13), “...o pé, a mão, cabeça, a gente volta, paralelo, meu corpo pela contagem estabelecida...” (G1). 

A sensação de voltar gradativamente e tranquilamente ou de forma natural indica que os atletas tiveram um processo suave de retorno, uma reorientação ao mundo externo que ocorreu aos poucos, se desligando do contato interno voltando-se gradativamente para os estímulos externos. Alguns atletas manifestaram querer ficar em transe (n = 7), sugerindo uma experiência agradável para os participantes da pesquisa. O discurso de D1 mostra como essa sensação esteve presente no final do transe: D1 “não queria sair... no fundo, no fundo, não queria...”. Apenas um atleta passou pela experiência de voltar repentinamente do transe. Após retornar do transe, a maioria dos atletas se sentiu bem, tranquilo, relaxado, preguiçoso ou descansado (n = 30), como mostram os relatos de B3 “mais tranquilo, dá uma preguiça assim sabe, mais mole, preguiçoso...” e E3 “bem, descansado...”. 

Outros atletas sentiram como se tivesse acordado, ou com sono depois do transe (n = 8). O depoimento de C2 ilustra bem essa sensação: “...como se tivesse acordado, assim, de um sono profundo. Apenas um atleta se sentiu apreensivo após o retorno. O estado físico e psicológico em que os participantes estavam após o transe, indica que a vivência com a hipnose foi congruente durante todo o processo. Do início ao fim do transe, os participantes tiveram percepções indicativas de relaxamento físico e mental. Pode-se dizer, então, que a hipnose produz este efeito nos atletas, e que em geral é um processo relaxante como um todo. A velocidade que os atletas saíram do transe foi rápida ou automática (n = 10) como foi por exemplo, F3 “...tu dizer que agora abre o olho e pronto, aí eu abri e pronto. Foi como se tu, foi quase como se tu tivesses feito assim: acorda! ”. 

Um menor número de atletas demorou para voltar do transe (n = 4), como pode ser verificado no depoimento de D5 “...um pouquinho devagar...”. A forma ou velocidade que a participante volta do transe, é uma característica particular e não padronizada. Os relatos mostram que cada participante pode perceber o retorno de forma diferente em cada transe, dependendo da profundidade do transe e até do estado físico e mental que o participante se encontra no dia da sessão. Sensações positivas foram sentidas pelos atletas durante o transe e estas sensações foram relatadas nos momentos finais da pesquisa (n = 6), “...estava tão bom... foi positivo” (D3). 

Em certas entrevistas os participantes relataram se sentir sob controle durante o retorno ao estado de alerta. A2 por exemplo relata perceber ter domínio durante a reorientação: “eu tenho um bom domínio sobre isso... se eu quisesse já poderia ter acordado”. Os participantes da pesquisa relataram ter Percepções Sensoriais (n = 3), Percepções Externas (n = 2), estado de Consciência (n = 2), Amnésia (n = 2), Catalepsia (n = 1) e Concentração (n = 1). O que indica que nesta fase do transe estas percepções não são significativas. O Tabela 3 a seguir, apresenta a percepção de atletas de triatlon durante o retorno do transe, iniciando pelas percepções mais presentes em seus discursos, para as menos presentes indicadas pelo N. 

Tabela 3 - Percepção de Atletas de Triatlon durante o Retorno do Transe Hipnótico Categoria N Sensação de saída do transe Tranquila, natural, fácil Volta gradativa Sensação de querer ficar Volta repentina 47 21 (44,7%)§ 15 (31,9%)§ 8 (17%)§ 3 (6,4%)§ Sensações depois do transe Bem, tranquilo, relaxado, preguiçoso, descansado Como se tivesse acordado agora, com sono Apreensivo 42 (100%)** 31 (73,8%)§ 10 (23,8%)§ 1 (2,4%)§ Velocidade de saída Rápido ou automático Demorado, devagar ou com resistência 17 (40,5%)** 12 (70,6%)§ 5 (29,4%)§ Sensações de prazer 9 (21,4%)** Controle Com controle Sem controle 6 (14,3%)** 5 (83,3%)§ 1 (16,6%)§ Percepção física 3 (7,1%)** Percepção externa 2 (4,7%)** Consciência 2 (4,7%)** Amnésia 2 (4,7%)** Catalepsia 1 (2,4%)** Concentração 1 (2,4%)** Número de entrevistas em que os relatos apareceram * Porcentagem relativa ao N total das entrevistas (42) § Porcentagem relativa à categoria _ Categoria que pode ter discursos de um participante em determinada sessão em mais de uma subcategoria 

4.2 DADOS DO QUESTIONÁRIO 

O questionário foi aplicado no final de cada sessão de hipnose, e teve como objetivo quantificar a experiência dos triatletas em relação ao transe. O número total de questionários aplicados foi igual a 42. A percepção sensorial dos triatletas durante o transe hipnótico, relacionada à temperatura corporal está apresentada na Tabela 4: Tabela 4 - Percepção Sensorial de Triatletas com relação à Temperatura Corporal durante o transe Hipnótico* Percepção Sensorial Partes do corpo muito mais frios (as) mais frios(as) sem mudança de temperatura mais quente(s) muito mais quente(s) não responderam mãos 0% 16,7% 47,6% 23,8% 11,9% 0% braços 16,7% 59,5% 9,5% 11,9% 2,4% pés 2,4% 19% 45,2% 14,3% 11,9% 7,1% pernas 0% 7,1% 66,7% 7,1% 11,9% 7,1% cabeça 2,4% 9,5% 64,3% 7,1% 9,5% 7,1% N = 42 questionários Percebe-se na Tabela 4 que não houve mudança na temperatura corporal durante o transe hipnótico. Nota-se, porém, uma tendência a perceber o corpo mais aquecido durante o transe. 

Isto significa que o transe hipnótico em triatletas pode provocar o aquecimento corporal. A percepção sensorial de peso corporal pode ser visualizada na Tabela 5 Os atletas não sentiram mudança de peso corporal, ou sentiram seu corpo mais leve durante o transe hipnótico. A percepção de leveza corporal foi acompanhada pelo aumento da temperatura corporal durante o transe hipnótico (Tabelas 4 e 5). 

Tabela 5 - Percepção Sensorial de Triatletas com relação ao Peso Corporal durante o transe Hipnótico muito mais leve (s) mais leve (s) sem mudança de peso mais pesado (s) muito mais pesado (s) não Responderam= mãos 23,8% 35,7% 28,6% 0% 0% 11,9% braços 19% 35,7% 33,3% 0% 0% 11,9% pés 19% 31% 38,1% 9,5% 0% 2,4% pernas 21,4% 31% 33,3% 11,9% 0% 2,4%cabeça 14,3% 33,3% 42,9% 4,8% 0% 4,8% tronco 16,7% 38,1% 38,1% 0% 0% 7,1% N = 42 questionários Para confirmar a correlação existente entre a temperatura e peso foi feito um teste quiquadrado relacionando cada uma das partes do corpo investigadas. Existe correlação significativa para peso e temperatura das mãos (p = 0,000), braços (p = 0,000), pés (p = 0,002), pernas (p = 0,001) e cabeça (p = 0,001). Isto significa haver congruência de sensações corporais durante o transe, e que na hipnose, as percepções de peso e temperatura possuem uma relação direta e harmônica. Formigamento, dormência e imobilidade, não foram frequentemente sentidas pelos atletas durante o transe hipnótico. 

A sensibilidade se manteve durante o transe: Tabela 6 - Percepção Sensorial de Triatletas com relação ao Formigamento, Dormência, Imobilidade e Sensibilidade Corporal durante o Transe Hipnótico Formigando Dormente Imóvel Sensibilidade Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Mãos 14,3% 85,7% 4,8% 95,2% 23,8% 76,2% 88,1% 11,9% Braços 4,8% 95,2% 2,4% 97,6% 31% 69% 90,5% 9,5% Pés 14,3% 85,7% 7,1% 92,9% 28,6% 71,4% 90,5% 9,5% Pernas 7,1% 92,9% 2,4% 97,6% 26,2% 73,8% 81% 19% Tronco 78,6% 21,4% Pescoço 83,3% 13,7% Cabeça 90,5% 9,5% N = 42 questionários Os atletas não tiveram sensações de formigamento, dormência ou imobilidade de partes do corpo durante o transe hipnótico, e mantiveram a sensibilidade corporal, indicando a manutenção dos estados normais de percepção do corpo. A percepção de relaxamento e tensão de tronco e pescoço dos atletas durante o transe hipnótico estão apresentadas na Tabela 7. 

Tabela 7 - Percepção Sensorial de Triatletas com relação ao Relaxamento e Tensão durante o Transe Hipnótico Muito tenso Relaxamento normal Relaxado muito relaxado não respondeu Tronco 0% 0% 47,6% 35,7% 14,3% 2,4% Pescoço 0% 9,5% 40,5% 35,7% 11,9% 2,4% N = 42 questionários Os atletas estavam com o tronco e o pescoço relaxados durante o transe hipnótico, tendendo à um relaxamento mais profundo. É possível notar que o relaxamento do tronco acompanha o relaxamento do pescoço (correlação significativa p = 0,000), desta forma a hipnose é uma experiência que em geral promove o relaxamento muscular. A percepção relacionada ao comportamento da respiração dos triatletas durante o transe hipnótico está apresentada na Tabela 8. 

Tabela 8 - Percepção Sensorial da Respiração de Triatletas durante o Transe Hipnótico. Muito rápida Ritmo normal lenta, muito lenta não Respondeu Ritmo da Respiração 0% 9,5% 26,2% 50% 11,9% 2,4% Muito superficial Normal Profunda Muito profunda Não respondeu Intensidade da Respiração 0% 11,9% 33,3% 26,2% 4,8% 23,8% N = 42 questionários É possível observar que os atletas estavam com a respiração normal ou lenta e profunda. Há uma tendência à diminuição dos movimentos respiratórios durante o transe, perceptível pela sincronia do comportamento do ritmo e da intensidade da respiração (correlação significativa p = 0,000). Este comportamento da respiração reafirma as evidências de que o transe hipnótico promove relaxamento. Diferentes níveis de intensidade da visualização foram percebidos pelos atletas durante o transe hipnótico. 

A Tabela 9 a seguir mostra estes dados: Tabela 9 - Percepção da Intensidade da Visualização da Prova de Ironman de Triatletas durante o transe Hipnótico Muito superficial Intens. Média Profunda Muito profunda Não respondeu Intensidade da Visualização 9,4% 23,8% 35,7% 23,8% 7,1% 0% N = 42 questionários Alguns atletas relataram maior dificuldade (intensidade fraca) em visualizar a prova de Ironman. Outros relataram maior facilidade (intensidade forte) na visualização da prova. Em geral, a maioria afirmou visualizar a prova de Ironman normalmente durante o transe hipnótico. Isto indica que a hipnose não parece afetar a visualização da prova de Ironman, e que é possível relacionar a intensidade da visualização a características pessoais do atleta e de cada transe individualmente. O tempo de duração do transe hipnótico percebido pelos atletas está apresentado na Tabela 10: 

Tabela 10 - Percepção de Triatletas da duração do Transe Hipnótico Máximo Mínimo Média Tempo percebido Desvio padrão de transe 60´ 10´ 24,29´ ±11,721 N = 42 questionários Os atletas perceberam o tempo total de duração do transe hipnótico numa média de 24 minutos e 29 segundos (±11,72 minutos). Neste caso, o fenômeno de distorção de tempo não ocorreu durante o transe hipnótico com os atletas, pois o tempo percebido se aproximou do tempo real (25’ 18”± 1,97 minutos). A percepção auditiva dos atletas durante o transe também foi investigada. A Tabela 11 mostra a percepção dos participantes relacionada aos sons externos durante o transe hipnótico. 

Tabela 11 - Percepção Psicofísica de Triatletas em relação aos Sons Externos durante o Transe Hipnótico Não ouvia baixo Volume médio Ouvia alto Extremamente Não respondeu Sons Externos Volume 47,6% 19,5% 26,2% 2,4% 2,4% 2,4% Muito longe Distância média Perto muito perto não respondeu Sons externos distância 11,9% 9,5% 31% 4,8% 0% 42,9% N = 42 questionários Uma grande parte dos participantes não ouviu os sons eternos e consequentemente não percebeu a distância dos sons externos. Não ouvir sons externos pode ser um reflexo da atenção voltada para o estado interno dos participantes, suas sensações físicas e mentais provocadas pelo transe hipnótico. A percepção da voz do terapeuta durante o transe foi investigada em relação ao volume e distância, dados apresentados na Tabela 12. 

Tabela 12 - Percepção Psicofísica de Triatletas em relação à Voz do Terapeuta durante o Transe Hipnótico. Não ouvia baixo Volume médio Ouvia alto extremamente Não respondeu Voz do terapeuta volume 0% 23,8% 52,4% 11,9% 0% 11,9% Muito longe Distância Médio Perto Muito perto não respondeu Voz do terapeuta distância 0% 5% 31% 19% 16,7% 21,4% N = 42 questionários Os atletas ouviram a voz do terapeuta normalmente tendendo a ouvi-la em volume baixo. Alguns atletas não responderam à questão sobre a distância da voz da terapeuta, o que pode corresponder àqueles que ouviram em volume baixo. Ao ouvir a voz da terapeuta normalmente, os atletas mostram uma percepção congruente da realidade apontando a importância da orientação da terapeuta durante todo o processo. A atenção à voz da terapeuta esteve sempre presente durante o transe, o que mostra a concentração da atenção típica da hipnose. Outro aspecto investigado nesta pesquisa foi a percepção dos participantes em relação ao som da música durante o transe hipnótico, mostrada na Tabela 13. 

Tabela 13 - Percepção Psicofísica de Triatletas do Som da Música durante o Transe Hipnótico Não ouvia baixo Volume médio Ouvia alto extremamente Não respondeu Som da música volume 21,4% 20% 16,7% 2,4% 0% 11,9% Muito longe Distância média Perto Muito perto não respondeu Som da música distância 7,1% 13% 23,8% 7,1% 0% 31% N = 42 questionários Enquanto alguns atletas não ouviram o som da música, outros ouviram em volume baixo ou médio refletindo a falta de respostas à pergunta relacionada à distância do som da música. Os atletas perceberam de forma congruente o volume e distância dos sons externos (p = 0,000) e do som da música (p = 0,000), o que não ocorreu com a voz da terapeuta. Os atletas ouviram os sons externos e o som da música de forma semelhante (p =0,000) indicando que a atenção aos estímulos externos dos participantes estava voltada exclusivamente para a voz da terapeuta, pois dava a orientação sobre a vivência do transe. Isto indica uma seletividade da atenção externa durante o transe. A percepção dos atletas sobre os sons da prova durante a visualização, são mostrados na Tabela 14. 

Tabela 14 - Percepção de Triatletas dos Sons da Visualização da Prova de Ironman Nada, poucas coisas, muitas coisas, Quase tudo, Detalhadamente, Não respondeu; Sons da visualização 42,9% 47,6% 7,1% 2,4% 0% 0% N = 42 questionários A Tabela 14 mostra que os atletas não perceberam sons na visualização ou ouviram poucas coisas. Isto pode ter acontecido pelo fato de o triatlon ser um esporte individual e de pouca interação entre atletas, tendo, portanto, pouca estimulação auditiva do meio ambiente. A percepção dos participantes da pesquisa sobre aspectos relacionados às imagens da visualização da prova de Ironman está apresentada na Tabela 15 a seguir. Tabela 15 - Percepção de Triatletas sobre aspectos relacionados à Visualização da Prova Preto e branco. Algumas cores, Colorido, bem colorido, com cores muito fortes, não respondeu Cores 9,5% 33,3% 50% 4,8% 0% 2,4% Muito desfocadas, Desfocadas, Foco médio, nítidas, muito nítidas Não respondeu Foco das imagens 4,8% 23,8% 42,9% 23,8% 2,4% 2,4% Muito escuras, Escuras, Luz média, claras, muito claras, não respondeu Claridade das imagens 2,4% 28,6% 33,3% 28,6% 2,4% 4,8% Pequenas, Médias, Grandes, não respondeu; Tamanho das imagens 9,5% 64,3% 4,8% 21,4% Sem detalhes, detalhadas, com muitos detalhes, não respondeu; Detalhes das imagens 38,1% 54,8% 4,8% 2,4% Sem movimento, Movimentação normal, muito movimentadas, não respondeu; Movimento das imagens 7,1% 81% 0% 11,9% Fora da imagem, as vezes fora, às vezes dentro, dentro da imagem Não respondeu; Auto percepção 11,9% 33,3% 42,9% 11,9% *N = 42 questionários 

Os atletas viram imagens coloridas e com foco médio (correlação significativa entre cores e foco com p = 0,046). Outras características das imagens variaram entre escuras, com luz média e claras, em tamanho médio, detalhadas e com movimentação normal, mostrando uma boa qualidade de imagens. Há correlação estatisticamente significativa entre claridade e foco (p = 0,000), tamanho e movimentação (p = 0,014). Estes dados indicam que na hipnose a visualização da prova reproduz a realidade percebida pelo atleta. Assim, o transe hipnótico não compromete a vivência mental da experiência no esporte, neste caso, o triatlon. Durante esta visualização os atletas poderiam perceber-se dentro das imagens, fora das imagens ou intercalando entre estas duas posições. Os atletas estavam mais frequentemente dentro da imagem (42,9%) ou intercalando entre fora e dentro da imagem (33,3%). Vale ressaltar que não houve correlação significativa entre auto percepção e intensidade da visualização, indicando não haver relação entre a perspectiva de autoimagem e a intensidade que vivencia a prova. 

4.3 COMPORTAMENTO DA FREQÜÊNCIA CARDÍACA 

Nas 42 sessões de hipnose, foram analisadas as frequências cardíacas (FC) dos indivíduos durante o transe, através de um frequencímetro cardíaco descrito no Método. A Tabela 16 mostra as médias, medidas máximas e mínimas, assim como o desvio padrão das FC registradas durante as sessões de hipnose. Tabela 16 - Freqüência Cardíaca Mínima, Máxima e Média de Triatletas durante o Transe Hipnótico Mínima Máxima Média Desvio Padrão Inicial 44 84 65,43 10,616 FCInt1 40 78 60 10,062 Mediana 44 80 59,93 9,503 FCInt2 42 87 59,74 9,546 FCFinal 45 83 64,69 9,782 É possível verificar a diminuição do ritmo cardíaco dos participantes no início do transe. A diferença significativa entre a FCInicial e a FCInt1 (p = 0,00) é indicativa de aprofundamento do relaxamento. A diferença, no entanto, entre o ritmo cardíaco inicial e final não é significativa (p = 0.537). 

Há a manutenção do estado de relaxamento demonstrado pelo ritmo cardíaco no início, meio e fim do transe hipnótico. O aumento final da FC (p = 0,000), comprova que ao abrir os olhos os participantes encontravam-se em um estado de alerta muito próximo ao estado inicial. A Tabela 17 a seguir apresenta os valores máximos, médios e mínimos das FCMédia, FCMáxima e FCMínima durante o transe hipnótico nas 42 sessões. Tabela 17 - Valores Máximos, Médios e Mínimos das Frequências Cardíacas de Triatletas durante o Transe Hipnótico FCMínima FCMáxima FCMédia Desvio Padrão FCMédia 44 75 60 8,764 FCMáxima 48 93 72,55 10,682 FCMínima 38 70 53,95 8,500 Os valores médios da FCMédia mostram que em geral os participantes se encontravam com um ritmo cardíaco baixo, indicativo de estado de relaxamento (abaixo de 60 bpm). É possível verificar também que os valores médios da FCMínima são característicos de relaxamento, e os valores médios da FCMáxima ficam abaixo de 73bpm. 

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS, CONCLUSÕES E SUGESTÕES 

Com base nos depoimentos descritos nas entrevistas; as respostas dos questionários e na análise da freqüência cardíaca, a discussão dos resultados pretende apresentar as principais informações da percepção de triatletas sobre as características da visualização da prova de Ironman e os seus comportamentos psicofisiológicos durante o transe. Analisamos os dados qualitativos e quantitativos das entrevistas e questionários relacionando-os com a literatura, discutindo também o comportamento da freqüência cardíaca dos participantes durante o transe hipnótico. As conclusões respondem às perguntas traçadas no início da pesquisa. 

5.1 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 

5.1.1 O relaxamento e outras alterações sensoriais 

A primeira característica do transe hipnótico com triatletas é o relaxamento. Sentido durante todo o transe, o relaxamento aparece como componente fundamental da hipnose. No início do processo hipnótico, os atletas relacionaram a passagem do estado de alerta ao estado de transe com sensações de relaxamento. O relaxamento corporal, e mental, foi levando os atletas ao foco interno, se mantendo durante todo o transe e após o término deste. Durante a visualização (Tabela 2), o relaxamento se manteve de forma bem profunda, como relatado por D1 e F1. Os atletas perceberam o relaxamento em diferentes partes do corpo, como pescoço e tronco (Tabela 7) de forma congruente, não sentindo tensão durante o transe. Após o retorno do transe, os atletas continuaram se sentindo relaxados (Tabela 3), apontando que o relaxamento é uma característica muito significativa do transe hipnótico, e que existe a manutenção desta sensação após o transe. 

Este estado de relaxamento característico do transe está de acordo com o que coloca Hermes et al. (2005). Os autores apresentam o relaxamento corporal completo como um dos sintomas objetivos do início da experiência de transe e o relaxamento mental como uma experiência subjetiva característica desta mesma fase do transe. Em seu estudo com pacientes submetidos a cirurgias maxilofaciais em transe hipnótico, eles relatam que após a cirurgia os pacientes sentiram-se relaxados, distanciados da cirurgia e com leve sedação. Rainville e Price (2003) analisaram a literatura vigente sobre a fenomenologia da hipnose e a neurobiologia da consciência. De forma congruente com os dados desta pesquisa, eles apontam dois estudos que encontraram o relaxamento mental como um dos elementos necessários ou suficientes para produzir a sensação de estar hipnotizado. Rainville e Price (2003) afirmam ainda, que a experiência de ser hipnotizado começa com a sensação de relaxamento mental e (geralmente) físico, em combinação com a absorção do foco em um objeto ou objetos de atenção. 

Estas evidências mostram que o relaxamento é um elemento crucial, e estava presente como uma característica durante o transe hipnótico em triatletas. Além do relaxamento, Erickson, Hershman e Secter (1994) dizem que pode haver diversas formas de alteração sensorial durante o transe hipnótico. Alguns atletas descreveram durante as entrevistas a sensação de aquecimento corporal (Tabelas 1 e 2), sendo uma tendência dos atletas sentirem seu corpo de normal a aquecido durante o transe (Tabela 4). Acompanhando as mudanças na temperatura corporal, os atletas perceberam também mudanças no peso do corpo. A Tabela 5 mostra a tendência de os participantes sentirem o corpo de normal a mais leve. Estas percepções podem ser provenientes do estado de relaxamento em que os participantes se encontravam. 

A literatura aponta que as sensações de mudança de temperatura e peso fazem parte dos sintomas da hipnose, porém não há especificação de como essa mudança ocorre (BAUER, 1998). Cardeña (2005), no entanto, em estudo sobre a fenomenologia do transe hipnótico, aponta que a sensação de leveza foi relatada pelos participantes da pesquisa como sendo característica de um transe leve a médio. Thornton et al. (2001), em sua pesquisa sobre o monitoramento de variáveis cardiorrespiratórias durante o transe associado à visualização de dois níveis diferentes de esforços em atividade física (descida de bicicleta – downhill e subida de bicicleta – uphill) e sugestão de hiperventilação, apontam que em relatos espontâneos ficou evidente a percepção de relaxamento intenso e auto percepção alterada, por exemplo de aquecimento. 

É aceitável concluir, portanto, que triatletas durante o transe hipnótico, podem sentir um aquecimento corporal juntamente com a sensação de leveza no corpo e ao que indica a literatura, estes podem ser sinais típicos de transe leve ou médio. O aumento da sensibilidade corporal durante o transe hipnótico é a manifestação do fenômeno da hiperestreita ou hipersensibilidade. Ansari (1991) aponta que a hipersensibilidade está relacionada ao aumento da sensibilidade de sistemas sensoriais de participantes em transe hipnótico. Ela é o oposto da anestesia. Na anestesia nós inibimos os sentidos, mas na hipersensibilidade fazemos eles ficarem super sensíveis. Os atletas sentiram a sensação aumentada tanto da pele (em relação a roupas, F2) mas também em relação a sensações internas, como as batidas do coração. A hipersensibilidade é, portanto, uma característica durante o transe hipnótico com atletas. 

Um ponto relevante da fase inicial do transe hipnótico, é a forma com que os participantes perceberam a entrada no transe. Geralmente, os atletas sentiram essa passagem de forma gradativa, o que demonstra suavidade e manutenção da integridade dos participantes. Iniciar gradativamente o transe, mostra também como aos poucos os atletas foram se desligando do meio externo e voltando-se para o contato interno, seus próprios sentimentos e sensações. Esta passagem para o contato interno é fundamental na hipnose, para que em estado de transe, sejam atingidos níveis mais profundos de consciência. A percepção rápida da entrada no transe pode ter relação com a automaticidade colocada por Rainville e Price (2003), ou seja, a sensação de ter as respostas automáticas, sem esforço ou deliberação. 

Então, à medida que os atletas foram ficando em estado de transe, o processo de aprofundamento foi fluindo automaticamente, assim continuando durante o todo o transe, a visualização e até a saída do transe. Durante essa passagem característica do início do transe, e também durante o transe mais profundo, os atletas perceberam os estímulos auditivos de uma forma bem peculiar. No início do transe, os atletas foram se desligando dos sons externos (como a música ou eventuais sons que poderiam aparecer durante o transe – telefone, carro passando, cachorro latindo, etc.) mantendo, porém, o foco no som da voz da terapeuta (Tabela 2 e Tabelas 8, 9 e 10). A atenção na voz da terapeuta mostra o estado de concentração que foi se estabelecendo, e o foco de atenção característico da hipnose. Assim, os atletas foram entrando em estado chamado de absorção mental. Na absorção mental o participante sente o engajamento de si mesmo em direção a objetos de consciência. Esta é uma propriedade fenomenológica pertencente à interação de si com objetos, ou sendo modificada por eles (RAINVILLE; PRICE, 2003), neste caso a voz da terapeuta. 

Estes resultados mostram que a voz da terapeuta tem um papel fundamental no transe hipnótico, conduzindo o foco de atenção para o transe, e que os sons externos não parecem interferir na hipnose. Os sons da visualização parecem não ser relevantes, pois geralmente os atletas ouviram poucas coisas ou não ouviram nada na visualização do Ironman (Tabela 14). A concentração dos atletas no início se estendeu por todo do transe (Tabela 2). De fato, esta foi a característica mais marcante da fase da visualização (Tabela 2). Os relatos de B4, D1 e F1 mostram claramente como os atletas se sentiram desligados do meio externo, e concentrados na prova que estavam mentalizando. B4 durante a visualização sentiu o isolamento do meio externo voltando-se totalmente para a visualização. 

Estes resultados estão de acordo com Thornton et al. (2001) que utilizaram a hipnose justamente para isolar os participantes do ambiente externo, para conseguir um maior foco de atenção na mentalização, e consequentemente ter maiores chances de haver respostas cardiorrespiratórias correspondentes. A pesquisa de Cardeña (2005) mostra haver associação da hipnose profunda com estados de maior atenção focal. O fato da hipnose produzir este estado de concentração, nos informa que ela pode ser uma ferramenta para o desenvolvimento ou manutenção da concentração em atletas. Com a utilização contínua da hipnose na prática diária do atleta, é possível que este estado de atenção focal se torne mais automático e natural para o atleta, transpondo este estado mental para situações de treino e competição. 

Em estado hipnótico mais superficiais (transe leve), é possível o atleta manter o transe e consequentemente a concentração durante a prática esportiva. Desta forma, o aproveitamento desta característica da hipnose possibilita ao atleta melhoria na sua capacidade de concentração e desempenho esportivo. A anestesia sentida no início do transe e durante a visualização da prova aponta uma característica importante do transe hipnótico em triatletas. Apesar de não ser muito frequente durante a pesquisa (ver sensibilidade corporal na Tabela 6), este fenômeno foi vivenciado pelos atletas em alguns momentos e pode ser útil, se melhor explorado, em tratamentos de dor, por exemplo. O fenômeno da anestesia tem sido utilizado com freqüência em diferentes áreas da medicina, e tem trazido resultados importantes (GAY; PHILIPPOT; LUMINET, 2002; KESSLER; PATTERSON; JOSEPH, 2003; LIOSSI; HATIRA, 2003; PATTERSON; JENSEN, 2003; ASTIN, 2004; WILD; ESPIE, 2004; HERMES et al., 2005). 

No estudo de Hermes et al. (2005) 94,3% dos pacientes tiveram maior tolerância aos processos invasivos da cirurgia, e no pós-cirúrgico dificilmente pediram por mais analgésico. Apesar dos resultados, os autores concluem que a hipnose não pode servir como um sério substituto da sedação ou anestesia geral, o seu uso terapêutico deve ser limitado à pacientes mentalmente saudáveis e cooperativos, e que estão pelo menos abertos ao procedimento. Kessler, Patterson e Joseph (2003), analisando diversos estudos de hipnose e relaxamento no tratamento da dor, encontraram a hipnose como sendo mais efetiva no tratamento de pacientes com dores crônicas, do que atenção, ou formas de controle padrão da dor. Sob esta ótica, a anestesia sentida pelos atletas durante o transe hipnótico pode ser de grande utilidade em atletas com dores crônicas, por exemplo. 

Vale ressaltar que a utilização da hipnose para o tratamento da dor, deve ser feita de forma ética e segura, evitando assim maiores complicações na saúde do atleta. Outro fenômeno percebido pelos atletas, foi a sensação de pouca mobilidade, a chamada catalepsia, caracterizada pela rigidez corporal envolvendo a impossibilidade de mover uma mão ou um braço, e que produz também a inibição da fadiga (WOODARD, 1996). Este fenômeno foi pouco frequente, mas alguns atletas (Tabela 6) mostram que a catalepsia pode ser um fenômeno característico do transe hipnótico. Erickson, Rossi e Rossi (1992) apontam a economia de movimentos, como um indicativo do desenvolvimento do transe. Erickson, Hershman e Secter (1994) indicam que além da economia de movimentos, pode ocorrer a perda da mobilidade, dos reflexos e falta da deglutição, havendo ainda diminuição dos reflexos involuntários. 

No transe hipnótico nos triatletas a catalepsia esteve presente e pode, assim como a anestesia, ser melhor estudada e explorada no campo esportivo. Em alguns momentos, os participantes sentiram-se sonolentos. Esta sensação, surgida no início do transe, é, provavelmente, proveniente do estado de relaxamento produzido já na fase inicial do transe. 5.1.2 Características da visualização A perspectiva em que os atletas se viam durante a visualização, variou. Na visualização, os indivíduos podem ver-se em perspectiva externa, ou seja, da forma como o movimento é visto em uma gravação em vídeo, ou interna, como o ambiente e o movimento são vivenciados pelo indivíduo quando a ação é realizada fisicamente (SCHMIDT; WRISBERG, 2001). 

Nos questionários a maioria dos atletas respondeu ter uma percepção de estar dentro da imagem ou intercalando (Tabela 45), e nas entrevistas os atletas mostraram ter as três perspectivas bem distribuídas (dentro da prova, fora da prova e intercalando entre dentro e fora da prova, Tabela 2). Mesmo com esta diferença, os resultados estão de acordo com a literatura. Weinberg e Gould (2001) colocam que a perspectiva vivenciada depende do atleta e da situação. Segundo os autores, muitas pessoas alternam entre mentalizações externas e internas. Um dos aspectos importantes sobre a perspectiva percebida é a possível relação com a intensidade da vivência da prova durante essa fase do transe. Nesta pesquisa, a auto percepção nas imagens e a intensidade da vivência não estavam correlacionadas, o que não está de acordo com os resultados de Wang e Morgan (1992, apud CALABRESE et al., 2004). 

Segundo estes autores, a perspectiva interna resulta em aumento da ventilação e da percepção das respostas mais relacionadas ao exercício real do que a perspectiva externa. Ou seja, na mentalização interna, ocorre maior vivacidade às imagens, pois o participante estaria vivendo aquela situação, e não a assistindo. Os atletas mostraram diferentes percepções da intensidade da vivência da prova nas entrevistas e nos questionários. As entrevistas mostram que os atletas tiveram uma tendência a visualizar a prova de Ironman intensamente (Tabela 2), o que não corresponde aos questionários (Tabela 9). Mesmo que as respostas relacionadas diretamente à intensidade da visualização não apresentem uma tendência explícita, as características das imagens visualizadas pelos participantes (Tabela 45) mostram que a hipnose promove a visualização de imagens com características normais, sugerindo uma boa qualidade de imagens, ou seja, a hipnose pode facilitar a visualização de imagens mentais. Liggett (2000), por exemplo, aponta evidências de que a mentalização associada à hipnose aumenta a intensidade e a eficiência das imagens em atletas. 

A intensidade da visualização percebida pode estar relacionada também com a associação das sensações da prova. Alguns atletas se sentiram profundamente na prova, como C1 e G1, sentindo a sensação da competição ou dos movimentos realizados durante o exercício. A associação das sensações da visualização pode ser muito útil na preparação de atletas para competições, e na aquisição e aperfeiçoamento de novas habilidades. A prática mental, procedimento de repetir cognitivamente aspectos de uma habilidade motora sem a prática de seus movimentos físicos correspondentes (MAGILL, 1993; SCHMIDT; WRISBERG, 2001) e a imaginação ou visualização, ver e sentir-se realmente executando a habilidade já conhecida ou nova, fazem parte do treinamento mental explorado na Aprendizagem Motora (SCHMIDT; WRISBERG, 2001). 

Magill (1993) aponta que a prática mental é melhor do que nenhuma prática, e que na proporção certa, pode ser tão eficaz em combinação com a prática física quanto a prática somente física. Weinberg e Gould (2001) apontam a capacidade de controle e nitidez como as variáveis importantes. Discutimos a possibilidade de criar imagens mentais mais eficientes, visualizações de alta qualidade, evoluir no conceito e prática do treinamento mental, com respostas mais concretas sobre os efeitos deste recurso na área do desenvolvimento e aprendizagem motora. E, além disso, buscar seus efeitos em estados emocionais dos atletas e consequentemente, em suas respostas comportamentais. Jackson et al. (2003) examinaram via PET as mudanças funcionais associadas com a aprendizagem de uma sequência de movimentos com os pés através da prática mental do movimento motor. A prática mental feita por alguns dias, levou à uma modesta, mas significativa melhora na performance. 

Participantes saudáveis mostraram um aumento na atividade restrita a aspecto medial do córtex orbitofrontal (OFC) e uma diminuição no cerebelo. Estes resultados, segundo os autores, mostram que a aprendizagem de uma tarefa motora sequencial através da prática mental, produz mudanças cerebrais funcionais similares àquelas observadas depois da prática física da mesma tarefa. Desta forma, estes resultados estão de acordo com a hipótese de que a prática mental da imagem motora melhora a performance, pelo menos inicialmente, agindo na preparação e antecipação dos movimentos mais do que na execução em si. A hipnose pode ser um recurso para a aprendizagem motora como também uma técnica que represente uma evolução nos processos de orientação da “prática mental”. As descobertas desta pesquisa em relação à qualidade das imagens vistas pelos atletas na visualização estão de acordo com a literatura. 

Nos discursos, como o de G3, e nos questionários (Tabela 45), as evidências apontam para uma qualidade de imagem semelhante à percepção real dos atletas. Os atletas viram imagens coloridas, com foco; luz e tamanho médios, detalhadas e com movimentação normal, reforçando o pressuposto de Liggett (2000), que expõe que as imagens mentalizadas durante a hipnose são mais eficientes. Cardeña(2005), pesquisando a fenomenologia da hipnose em repouso e em atividade física, concluiu que a hipnose tipicamente envolve sensações físicas, e visualizações mais intensas, com mais vivacidade e atenção focal nas imagens. Em seu estudo, o autor relata que os participantes se referiram a diversos aspectos relacionados com a visualização de imagens, tais como “aumento da realidade”, “aumento da qualidade”, “sequências sustentáveis”, “imagens espontâneas” e imaginação sem relação com alguma modalidade sensorial. 

A correlação entre algumas submodalidades visuais durante a hipnose nos informa que estas características mudam harmonicamente, comprovando a reprodução de imagens reais. Novos estudos podem esclarecer como se dá essa associação e se existe relação direta entre as submodalidades. Paralelamente às percepções visuais das imagens, durante o período de visualização, os participantes da pesquisa tiveram outras percepções durante o transe. Além das percepções sensoriais de temperatura, peso e contração muscular comentadas, também estiveram presentes sensações de paz, sonho e agitação. A profundidade que os atletas atingiram no transe pode ser estimada pelas respostas apresentadas, que indicaram em geral um transe médio a profundo. Segundo Thornton et al. (2001), não existe ainda uma medida direta satisfatória para avaliar a profundidade do transe hipnótico. Em seu estudo, não houveram evidências de que a profundidade do transe possa ter alterado os resultados, apesar dos participantes demonstrarem aparentemente níveis diferentes de profundidade do transe hipnótico. 

O estudo de Cardeña (2005) mostra que em transe muito profundos existe uma mudança dos pensamentos controlados cognitivamente para imagens livres, mais elaboradas e vivas. Sebastiani et al. (2003) apontam existir um padrão de mudanças autonômicas e eletroencefalográficas (EEG) na visualização de uma situação desagradável, envolvendo diversas modalidades sensoriais, guiada pela hipnose. Estas mudanças são diferentes do padrão de mudança que ocorre na visualização feita através de estimulação cognitiva de qualquer tipo de emoção. Na visualização com hipnose, há o aumento na freqüência cardíaca e respiratória assim como na atividade gama e beta e aumento na potência theta, indicando um alto teor de realidade interna na visualização da situação desagradável. Rainville et al. (1999) estudaram os efeitos da hipnose e da sugestão na alteração da percepção de dor usando PET, EEG e rCBF. 

Os autores investigaram durante repouso, relaxamento hipnótico e hipnose com sugestão de sensações desagradáveis de dor, sendo que a mão esquerda de cada participante poderia estar imersa em água em temperatura ambiente ou muito quente. A hipnose foi acompanhada por um aumento significativo nas atividades rCBF occipital e EEG delta, com uma alta correlação entre eles (p < 0,0001). Rainville et al. (1999) concluem que este aumento da atividade rCBF occipital e EEG delta refletem a alteração de consciência associada à diminuição de estimulação e possível facilitação da visualização mental. Retomamos a discussão sobre as possibilidades da hipnose como um recurso na visualização de imagens na aprendizagem motora. 

Os dados sobre as imagens e sensações vivenciadas pelos atletas durante a visualização do Ironman no transe hipnótico, juntamente com os dados da literatura, nos informam reais possibilidades da utilização desta ferramenta de uma forma mais presente e ativa no dia-a-dia da atividade física. Fica claro nesta discussão, que há um componente significativo de realidade interna quando são visualizadas imagens durante a hipnose, assim como o estabelecimento de um estado interno de relaxamento. A hipnose não pode ser restringida à uma população com necessidades dramáticas, como pacientes em recuperação, mas deve ser melhor explorada em sua utilidade para o desenvolvimento de habilidades esportivas e até mesmo na busca do equilíbrio emocional necessário para a melhoria de desempenho esportivo. 5.1.3 Fenômenos hipnóticos Dentre os fenômenos hipnóticos vivenciados pelos atletas durante a pesquisa, o fenômeno de dissociação foi relatado em 30,9% dos casos. Segundo Ansari (1991), a dissociação é caracterizada por uma segregação do participante do seu meio ambiente imediato, excluindo toda a consciência ambiental como fonte de estimulação, exceto o terapeuta. 

Neste caso, esta dissociação do meio externo apareceu também no momento em que os atletas não ouviram sons externos, ficando concentrados apenas na voz da terapeuta. O fenômeno da dissociação foi encontrado também nos estudos de Thornton et al. (2001) quando os participantes relataram sentir-se em lugar nenhum, assim como no estudo de Hermes et al. (2005), onde os pacientes de cirurgias maxilofaciais relataram se sentir distantes da cirurgia e na pesquisa de Cardeña (2005) onde os participantes em hipnose profunda relataram se sentir “flutuando”, “voando” ou “a mente deixando o corpo”. A dissociação do corpo e da mente durante o transe hipnótico nos leva a indagar a utilidade deste fenômeno no meio esportivo. Pode ser que a dissociação seja útil em casos de dor, ou de exaustão, por exemplo, embora não existam estudos específicos sobre isto. 

Pesquisas focadas especificamente neste fenômeno são necessárias para que se chegue à uma conclusão sobre a utilidade deste fenômeno no meio esportivo. Neste estudo, pode-se considerar que a dissociação é uma das características do transe hipnótico com atletas de triatlon. Outros fenômenos vivenciados pelos participantes foram a amnésia e a hipermnésia. É importante perceber como estes dois fenômenos, aparentemente opostos, podem aparecer no processo de transe hipnótico. Segundo Woodard (1996), a expansão ou estreitamento do campo fenomenal permite diferenciações claras sobre o que está sendo focado. Isto pode ocorrer quando há a lembrança de experiências do passado, seja espontaneamente ou através de imagens ou sentimentos de situações passadas. Durante a hipnose, o campo muda ou se reorganiza temporariamente. 

A amnésia para tais eventos pode ocorrer ou reinstalar-se assim que o campo de atenção mude de um campo expandido para um campo estreito, partindo da experiência de hipnose. Na hipermnésia, o campo fenomenológico é alterado para momento no tempo em que a experiência passada ocorreu, enquanto outros aspectos do campo da atenção (fisiológicos, ambientais e psicológicos) desaparecem. Como na amnésia, o nível de atenção muda a partir da experiência hipnótica. Segundo Woodard (1996), lembrar ou esquecer ocorre como função da percepção e da necessidade de adequação. A hipnose pode então, aumentar esse processo providenciando uma reorganização do campo fenomenal, criando uma nova experiência, trazendo ao ser novos significados resultando na mudança de percepções. Hudetz, Hudetz e Reddy (2004), estudando os efeitos do relaxamento no desempenho da memória, encontraram resultados psicológicos e psicofisiológicos (nos estudos de EEG) expressivos utilizando a visualização guiada de curta duração para produzir relaxamento e resgate de memória. 

Na literatura foram encontrados estudos onde a amnésia foi mais relatada do que a hipermnésia (THORNTON et al., 2001; HERMES et al., 2005). Nesta pesquisa, os atletas passaram pela experiência tanto da amnésia (23,8%), quanto da hipermnésia (19%). O atleta G3 descreve detalhadamente a sua lembrança incluindo sensações da areia e do sol. A hipermnésia sendo uma característica do transe hipnótico com triatletas pode trazer à tona memórias de momentos de sucesso, aumentando a motivação do atleta e até mesmo buscando estratégias de sucesso para serem repetidas em futuras competições. 5.1.4 Retorno do Transe Os atletas passaram pelo processo de reorientação (retorno do transe para o estado de alerta) tranquilamente, gradativamente e de forma automática, ou seja, sem haver necessidade de esforço (Tabela 3). Isto mostra como em geral o transe hipnótico é um processo que mantém a integridade e o ritmo próprio do participante do início ao fim do processo. 

Os atletas foram saindo do contato profundo consigo e voltando a atenção para o mundo externo fazendo o processo inverso ao ocorrido na entrada do transe. A idéia antiga que as pessoas hipnotizadas dormiam e acordavam repentinamente cai por terra, mostrando ser um processo suave e agradável. Além de alguns atletas expressarem o desejo de ficar em transe, os relatos que apontam sensações positivas, como o de D3, mostram a característica prazerosa do transe hipnótico. Esta característica permaneceu após o transe também. Após retornar do transe hipnótico, a maioria dos atletas apresentou sensações positivas, o que reforça a idéia de que o transe hipnótico é uma experiência agradável. Estes resultados estão de acordo com Cardeña (2005) que conclui que as emoções, em nível profundo de hipnose, são de maneira geral positivas. 

A experiência agradável é confirmada também na pesquisa de Hermes et al. (2005), onde os pacientes após a cirurgia relatam ter tido uma experiência de transe positiva, e consentiriam fazer outra operação em hipnose. Estes dados dão indícios consistentes de que a hipnose é uma experiência positiva, e que os participantes que passam por ela se beneficiam com as sensações que ela proporciona. A percepção da duração do transe (Tabela 40) mostra que em média os participantes corresponderam ao tempo real de transe. Estes resultados não estão de acordo com a literatura que aponta a distorção de tempo como um fenômeno hipnótico típico (WOODARD, 1996; HERMES et al., 2005). Aqui fica claro que neste estudo a distorção de tempo não esteve presente no transe hipnótico, porém não é possível afirmar a razão pela qual este fenômeno não ocorreu. 5.1.5 O comportamento da respiração e freqüência cardíaca durante o transe 

Os atletas respiraram em ritmo lento com intensidade normal ou profunda. A respiração lenta e profunda é mais um indicativo de relaxamento. A literatura analisada não apresenta dados relativos à percepção do ritmo da respiração, porém traz dados sobre a ventilação de participantes durante a hipnose. Thornton et al. (2001) verificaram que a imaginação do exercício físico (bicicleta uphill) durante o transe hipnótico provoca um aumento na ventilação correspondente a 30% do aumento no exercício real. O ritmo respiratório e a ventilação foram verificados em estudos com visualização de exercícios físicos, porém sem hipnose. Calabrese et al. (2004) mediram a FC, ritmo respiratório e ventilação em quatro grupos diferentes (remadores profissionais, atletas de outros esportes, jovens sedentários e sedentários seniores) em repouso, assistindo um vídeo de uma prova de remo e mentalizando a prova de remo. Seus resultados apontam um maior aumento da ventilação, do ritmo respiratório e da freqüência cardíaca em todos os grupos durante a mentalização da prova do que assistindo ao vídeo quando comparados ao repouso. 

Nesta pesquisa, nos limitamos a investigar a percepção da respiração, não sendo medidos dados diretos sobre seu comportamento. Desta forma, fica limitada também a conclusão sobre o comportamento da respiração durante a hipnose e visualização da prova e Ironman. A diminuição do ritmo cardíaco dos atletas durante o transe (Tabela 46), comprova o estado de relaxamento em que eles se encontravam. A diminuição significativa da freqüência cardíaca já no início do transe mostra que em estado de transe hipnótico os atletas diminuem a agitação interna, relaxando e mantendo este estado por todo o transe. A média da FC mínima de 53,95 bpm, ± 8,5bpm (Tabela 47), é comparável aos resultados encontrados por Sacknoff et al. (1994), que estudaram o efeito do treinamento na variabilidade da freqüência cardíaca. Segundo os autores, a FC de atletas treinados em repouso foi mais baixa do que em indivíduos não treinados (49,5 ± 1,6 vs 64,1 ± 3,6 bpm). 

A FC dos atletas investigados diminuiu durante o transe hipnótico, retornando ao ritmo inicial após o retorno ao estado de alerta. Estes resultados estão parcialmente de acordo com Williamson et al. (2004). Estes autores compararam grupos de indivíduos altamente hipnotizáveis e pouco hipnotizáveis mentalizando a tarefa motora da “pegada” com e sem hipnose. Concluíram não haver aumento significativo da FC e nenhum dos dois grupos. Porém, Thornton et al. (2001) afirmam que durante a hipnose, a mentalização de um exercício pesado previamente executado, resulta na elevação da FC de atletas. Pode-se considerar que o comportamento da freqüência cardíaca dos triatletas em hipnose visualizando a prova de Ironman, apresentou diminuição no início do transe, mantendo níveis baixos até o retorno, quando voltou ao ritmo cardíaco pré-hipnose. O comportamento da FC dos triatletas durante o transe hipnótico acompanhou as suas percepções durante todo o processo indicando relaxamento e concentração. 

5.2 CONCLUSÕES E SUGESTÕES 

Considerando os objetivos propostos neste estudo, a literatura revisada, as informações coletadas nas entrevistas, a análise dos dados do questionário e a análise da freqüência cardíaca, na experiência de transe hipnótico com atletas de triatlon: - Os atletas de triatlon durante o transe hipnótico, se sentem relaxados. O relaxamento corporal e mental está presente durante todo o transe, inclusive após o retorno ao estado de alerta, quando os atletas continuam a se sentir relaxados. - Os triatletas desta pesquisa têm uma tendência a sentirem seu corpo aquecido e mais leve durante o transe. Além destas percepções sensoriais, os atletas sentiram um aumento na sensibilidade do toque e da percepção de seu próprio corpo. - Tanto a entrada no transe, quanto a saída dele, foi gradativa. Os atletas no início foram se sentindo relaxados e se “entregando” ao transe automaticamente. 

No retorno, os atletas voltaram a perceber os estímulos do meio externo aos poucos, voltando naturalmente ao estado de alerta. - Durante o transe hipnótico, os atletas isolaram-se do meio externo de forma bem expressiva, especialmente com relação aos sons. O único som presente para os atletas durante o transe foi a voz da terapeuta. Sons da música e outros sons, não foram percebidos, nem sequer interferiram no transe hipnótico. A atenção na voz da terapeuta faz parte do transe, manifestando o foco de atenção típico da hipnose. A atenção dos atletas tanto na voz da terapeuta, quanto na visualização da prova, os levou ao fenômeno de absorção mental. Este fenômeno caracterizado pela concentração em uma tarefa, pode ser bastante útil na preparação mental de atletas e merece ser mais explorado em futuras pesquisas. - Outros fenômenos hipnóticos foram vivenciados pelos atletas durante o transe. 

A anestesia foi sentida algumas vezes, a catalepsia e a dissociação também. Estes fenômenos podem ser mais intensos quando há a sugestão para que eles aconteçam, o que não ocorreu nesta pesquisa. Estes fenômenos podem ser melhor explorados no trabalho com atletas para serem aproveitados de maneira mais específica no esporte. - O fenômeno da distorção do tempo não foi vivenciado pelos atletas. - Os triatletas estavam em geral bastante concentrados ao visualizarem a prova de Ironman. 

Esta é a característica mais marcante da visualização da prova, confirmando que a hipnose pode aumentar a capacidade de concentração, e tornar a visualização melhor. Um maior entendimento de como se dá o processo de concentração durante o transe hipnótico pode ser útil na preparação psicológica de atletas, se estendendo a situações cotidianas do treinamento e competição - Os atletas visualizaram imagens bem próximas do normal, geralmente coloridas, com foco, luz e tamanho médios, com detalhes e movimentação normal. Isso mostra que durante a hipnose, não há distorção de imagens dirigidas e que é possível realizar a visualização de uma prova longa como o Ironman mantendo uma boa qualidade de imagens. Esta qualidade mantida, pode ter colaborado para a intensidade que os atletas perceberam a visualização da prova. Em geral os participantes tiveram facilidade de visualizar o Ironman e em alguns momentos se sentiram fazendo a prova, tendo sensações de estar pedalando ou outras sensações relacionadas à prova. 

A intensidade, porém, não teve relação com a perspectiva em que os atletas se percebiam na visualização pois esta variou bastante não apresentando uma tendência evidente. - É possível então estabelecer um diálogo com a aprendizagem e desenvolvimento motor buscando com a hipnose uma evolução na prática mental. É possível aumentar a capacidade de concentração dos participantes, melhorar a qualidade das imagens e até mesmo trazer sensações positivas ligadas à execução da atividade motora. Criam-se diferentes possibilidades que vão desde um movimento simples como a atividade motora de “pegada” até uma sequência de movimentos como uma jogada ensaiada ou uma rotina da ginástica rítmica desportiva. - Os atletas perceberam também que a sua respiração estava mais lenta e profunda. 

Este comportamento da respiração é indicativo de relaxamento e é congruente com o comportamento da freqüência cardíaca. - O comportamento da freqüência cardíaca foi caracterizado pela diminuição do ritmo cardíaco já no início do transe, se mantendo neste ritmo durante todo o tempo, elevando no retorno ao estado de alerta. Este comportamento é congruente com toda a descrição das sensações dos atletas durante o transe, mostrando evidências de que a hipnose traz efeitos significativos nas respostas fisiológicas dos atletas. - Após o transe, os atletas tiveram em geral sensações positivas, indicando que a hipnose é uma experiência agradável para os atletas de triatlon. 

Conclui-se que os triatletas se sentiram relaxados e concentrados durante o transe hipnótico, existindo também a presença de fenômenos hipnóticos típicos e outras percepções sensoriais. O transe hipnótico com atletas de triatlon foi médio a profundo, apresentando características correspondentes destes níveis. O isolamento do meio externo ficou evidente, o que manteve o foco dos atletas tanto na visualização da prova, quanto nas suas sensações durante o transe. Os atletas geralmente visualizaram a prova de Ironman com facilidade e com imagens mentais com características próximas às imagens reais. O comportamento da freqüência cardíaca mostrou a entrada no transe, por meio da diminuição do ritmo cardíaco, e o retorno ao estado de alerta, caracterizado por uma elevação no ritmo cardíaco ao final no transe. 

A compreensão dos fenômenos hipnóticos em toda a sua complexidade fica limitada nesta pesquisa. Os processos cognitivos que envolvem a hipnose, assim como as suas funções, exigem um maior entendimento destes processos durante o transe. A partir deste entendimento, fica mais fácil utilizar todo o potencial desta técnica com um melhor direcionamento da sua aplicação nos esportes. 

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Dra. Andréa Zanella  – Coordenadora do programaBanca Examinadora:Orientador:Prof. Dr. Emílio Takase

Universidade Federal de Santa CatarinaCo-orientador:Prof. Dr. Alexandro Andrade

Universidade do Estado de Santa CatarinaMembro:Prof. Dr. Roberto CruzUniversidade Federal de Santa CatarinaSuplente:Prof. Dr. José Carlos ZanelliUniversidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis, julho de 2005.


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