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Auto-organização nos Sistemas Biológicos

Atualizado: 21 de fev.

ABSTRACT. The concept of self-organization is based upon the order-from-noise principle, which explains how organisms make use of noise (in the meaning of the theory of information), as a organization factor. The author describes the seIf-organizing systems, and its importance for the understanding of life.


RESUMO. O conceito de auto-organização é dependente do princípio de ordem a partir do ruído, que explica como os organismos utilizam o ruído (no sentido da teoria da informação) como fator de organização. O autor descreve os sistemas auto-organizadores, e sua importância para a compreensão da vida.

Após o estabelecimento da cibernética como ciência, diversos estudiosos voltaram-se para os seres vivos, tentando classificá-los como máquinas, cujas performances, por mais extraordinárias que fossem, resultariam de princípios ordenados em continuidade e identidade com os princípios gerais da cibernética. Destes estudos, resultaram os conceitos de sistema auto-organizador e autômato auto-reprodutor como formas cibernéticas de designar os organismos biológicos. Segundo Henri Atlan (2), as conseqüências desta concepção podem ser estabelecidas como se segue:

* A especificidade, dos organismos vivos liga-se a princípios organizacionais, e não a propriedades vitais irredutíveis.

* Uma vez descobertos tais princípios, nada deverá impedir de aplicá-los aos autômatos artificiais, cujas performances se tornarão então iguais às dos organismos vivos.

Para compreendermos os sistemas auto-organizadores, é importante o estabelecimento do conceito de fiabilidade. Uma máquina viva é constituída por moléculas que desgastam, células que degeneram, ou seja, elementos pouco fiáveis. No entanto, em seu conjunto, é uma estrutura extremamente fiável, capaz de auto-reparação e de funcionamento mesmo quando avariada. Morin (11) afirma que “a máquina artificial logo que constituída só pode começar degenerando, enquanto a máquina viva é, mesmo que temporariamente, não-degenerativa, isto é, apta a aumentar sua complexidade”. Para ele, a desordem interna, o “ruído”, ou erro sempre desgasta a máquina artificial, ao passo que os organismos funcionam sempre com uma parte de ruído, sendo que o aumento de complexidade do ser vivo melhora sua tolerância ao mesmo, existindo, até um determinado limite, uma relação generativa íntima, entre o aumento do ruído ou desordem e o aumento da complexidade.

Estruturas capazes de funcionar com este tipo de lógica cibernética são denominadas sistemas auto-organizadores. O aparecimento de descrições auto-referenciais na ciência atual testemunha, segundo Heinz Von Foerster (1974), a emergência de conceitos novos que denomina conceitos de segunda ordem. Segundo ele, nos deparamos com tais concepções quando um nome, qualquer que seja, aparece precedido do “especificador auto”, como nos exemplos seguintes: “auto-organização”, “auto-replicação”, “auto-reparação”, “auto-regulação”.

A aptidão para integrar o ruído, ou seja, incorporá-lo em sua estrutura, sem que seja destruída pelo mesmo, propriedade característica dos sistemas auto-organizadores, levou o matemático J. Von Neumann a estabelecer que tal aptidão seria conseqüência de uma diferença qualitativa fundamental na lógica de organização do sistema. Seus trabalhos (15), mais os de Winograd e Cowan (16) e de Cowan et al. (7) definiram as condições necessárias ao estabelecimento de autômatos com fiabilidade maior do que a dos seus componentes, que seriam:

1- Redundância dos componentes 2- Redundância das funções 3- Complexidade dos componentes 4- Deslocamento das funções.

Tais condições ocorrem, por exemplo, no organismo humano, que é capaz de suportar variações intensas da homeostasia orgânica, sem que isto conduza à desintegração do sistema. Os fatos demonstram a necessidade, para estruturas complexas, como os organismos, de um certo grau de indeterminação para que o sistema possa adaptar-se a um certo nível de ruído. Heinz Von Foerster (13) afirma que “nos sistemas auto-organizadores com um grau suficiente de redundância e fiabilidade, quando se introduz um ruído, esse apresenta caráter enriquecedor e não perturbador ou destruidor”. Na molécula de ADN (constituinte fundamental de todos os seres vivos), com capacidade de auto-replicação e de transmissão fiel dos “ruídos” (erros) introduzidos aleatoriamente na transcrição da mensagem genética, acedente a que todo sistema quântico está, sujeito, o ruído por vezes origina mutações, que a evolução natural seleciona, por serem enriquecedoras da performance do organismo. Von Foerster (13) mostrou ainda que só podemos compreender as propriedades singulares dos organismos, atribuindo aos mesmos, além da propriedade de resistir ao ruído de forma eficaz, a de também utilizá-lo como fator de organização! Dcsta forma, estabeleceu um principio de ordem a partir do ruído.

Sabemos que a partir do trabalho de Erwin Schrödinger, What is life, publicado em 1944, a termodinâmica estabeleceu a existência de dois diferentes princípios pelo quais eventos ordenados podem ser produzidos: o “mecanismo” estatístico que produz ordem a partir da desordem, e um outro produtor de ordem a partir da ordem, isto é, de organização complexa e informação que explicaria a matéria viva, e cuja prioridade de compreensão, segundo o próprio Schrödinger, deve ser reivindicada para Max Planck, que, em um pequeno trabalho intitulado The dinamical and statistical type of Iaw, já estabelecia, esta distinção.

No entanto, Von Foerster considera que este, “principio de ordem a partir da ordem” não é suficiente para explicar os seres vivos. Schrödinger afirmou que os sistemas vivos “se nutrem de entropia negativa” de ordem, ao que Von Foerster acrescenta a afirmação de que “eles encontram também em seu ‘menu’ o ruído!… Não e ruim a existência de ruído no sistema. Se um sistema se imobiliza em um estado particular, ele é inadaptável, e este estado final pode ser extremamente ruim. Será incapaz de ajustar-se a qualquer coisa que seja uma situação inadequada”. Tal fato, isto é, a imobilização em uma ordem definitivamente estabelecida como mostra Atlan (2), caracteriza uma das duas formas possíveis de morte para um organismo, a outra sendo a imobilização do processo vital devido à desordem total. W R. Ashby (apud Atlan (2)), através de uma série de trabalhos, estabeleceu uma lei denominada “lei da variedade indispensável” que revela uma relação entre a variedade das perturbações das respostas e dos estados aceitáveis. De conformidade com esta lei, a variedade de respostas disponíveis deve ser tanto maior quanto maior for a variedade das perturbações c quanto menor a variedade dos estados aceitáveis.

Ou seja, para um sistema submetido a uma grande variedade de agressões, uma grande variedade de respostas é indispensável, para que este sistema se mantenha em um número limitado de estados aceitáveis. Donde a afirmação de Atlan de que “em um meio-ambiente fonte de agressões diversas e imprevisíveis, uma variedade na estrutura e nas funções do sistema é um fator indispensável de autonomia”. O próprio Allan em outro trabalho (1) demonstra esta lei, com o exemplo de um organismo submetido a infecções bacterianas de diferentes espécies, às quais, para sobreviver, deve responder por meio de antitoxinas apropriadas. “Se as espécies bacterianas, afirma ele, exigem cada uma, uma antitoxina diferente, então, evidentemente, o sistema de defesa deve ter tantas antotoxinas em seu repertório de respostas quantas forem as espécies bacterianas existentes, para ser capaz de produzir o único estado aceitável, caracterizando aqui de forma muito geral, pela sobrevivÊncia do organismo” (p. 54).

É ainda Atlan que nos mostra que Ashby revelou o parentesco profundo entre a lei c o teorema da via com ruído de Shannon, demonstrando que neste contexto a lei da variedade indispensável estabelece que a capacidade do sistema não pode ultrapassar sua capacidade como via de comunicação de variedade, isto é, sua capacidade de transmissor. Curiosamente, Atlan observou que tal forma de limitação não se manifestou nas ciências físicas e químicas – o que explicaria seu sucesso – devido a duas particularidades dos sistemas estudados por estas ciências, ou seja:

Grau externo de homogeneidade dos elementos constituintes.

Relativa pobreza de inter-relações estruturais, em comparação com os sistemas biológicos integrados.

Segundo Ashby (apud Atlan (1)), “estas duas qualidades dos sistemas complexos – heterogeneidade das partes e riqueza de interações entre elas – têm a mesma implicação: as quantidades de informarão que circulam, seja do sistema ao observador, seja da parte a parte, são muito mais elevadas do que aquelas que circulam quando o pesquisador é um físico ou um químico. E é porque as quantidades são elevadas que é verdadeiro que a limitação se torna aparente na seleção da estratégica científica apropriada.

É bem possível que as quantidades de Informação implicadas ultrapassem a capacidade do pesquisador – ou do conjunto de pesquisadores – como transmissor”. Ashby demonstrou ainda a impossibilidade lógica de uma auto-organização em um sistema fechado, isto é, sem interação com o ambiente. Também Allan (4) o demonstra quando afirma que “a noção de auto-organização sensu stricto é contraditória se considerarmos a organização como lei de funcionamento de um sistema. Este não pode mudar devido a um determinismo somente interno, pois é este determinismo que constitui sua lei constante de funcionamento”. André Bejin, na apresentação do capítulo “Auto-organization et connaissance”, no Iivro L’ Unité de L’ Homme, afirma: “O sistema auto-organizador ‘se nutre’ de ordem (Schrödinger) e de ruído. Desta forma, como demonstrou Ashby, ele só pode ser ciberneticamente aberto, e se complexificar normativamente, utilizando ‘materiais.’ que não são somente os de sua própria operação”. Um sistema auto-organizador só pode portanto ser modificado por fatores alheios ao mesmo. Desta forma, existem duas possibilidades de modificação:

Por meio de um programa pré-estabelecido que é injetado no sistema. O que não caracteriza um ruído no sentido da teoria das comunicações.

Através de fatores aleatórios que se introduzem no sistema, de tal forma que não possa ser estabelecido nenhum padrão que permita discernir um programa.

Neste último caso, poderíamos falar em auto-organização mesmo que não seja em sensu stricto, isto é, o próprio sistema se organizando sem intervenção de fora, pois que apesar da existência de ação externa sobre o sistema, esta é totalmente aleatória.

Para que um ruído possa introduzir-se em um sistema sem destruí-lo, e ser capaz de apresentar um caráter enriquecedor, é necessário que o sistema seja constituído por uma rede cibernética complexa, em cuja estrutura o ruído penetre provocando alterações que não destruam a coerência das infinitas inter-relações estruturais e funcionais que controlam sua performance.Atlan (1, 2) demonstrou que uma das possibilidades do efeito destruidor do ruído – ambigüidade-destrutiva – em um sistema ser superado pelo efeito enriquecedor – ambigüidade-autonomia – é a “existência de uma troca de alfabeto com um aumento do número de letras, quando passamos de um tipo de subsistema para outro, como uma via de comunicação entre eles”.

Segundo ele, isto seria “uma explicação possível para a troca de alfabeto observada em todos os organismos vivos quando passa-se dos ácidos nucléicos, escritos numa linguagem de quatro símbolos (quatro bases nitrogenadas), para as proteínas, escritas numa linguagem de vinte síbolos (vinte aminoácidos)”. Manfred Eigen (apud Atlan (I. 2)), através de estudos de cinética química, chegou a resultados que parecem derivados do principio de ordem a partir do ruído, mostrando que os mecanismos de replicação do ADN, de síntese protéica e regulação enzimática, podem ser analisados tanto sobre o plano da quantidade de informação total de uma população de macromoléculas, quanto da quantidade de informação das deferentes espécics de macromoléculas sintetizadas. Nos mesmos trabalhos, Atlan nos mostra que um dos problemas levantados por csta abordagem é “o das condições nas quais certas macromoléculas portadoras de informação podem ser selecionadas às expensas de outras, em um sistema onde a única restrição é que a síntese dessas moléculas se efetue por meio da cópia de moléculas idênticas. Pela primeira vez, o conceito de seleção com orientação, fundamento das teorias de evolução, adquire um conteúdo precioso, suscetível de ser expresso em termos de cinética química, diferentemente do círculo vicioso habitual em que caímos quando descrevemos a seleção natural como sobrevivência dos mais aptos, sendo que estes últimos só podem ser definidos pelo fato de sobreviverem!”

E mais adiante, “um dos resultados mais espetaculares a que Manfred Eigen chegou, aplicando esta teoria aos sistemas constituídos por um acoplamento de dois subsistemas de propriedades complementares que são os conjuntos de ácidos nucléicos, e os conjuntos de proteínas, é uma explicação possível da universalidade do código genético: seria o resultado inevitável de uma evolução, onde, somente este código poderia ser selecionado” .

Resumindo, os conceitos estudados, podemos estabelecer que se um sistema auto-organizador apresentar:

Uma elevada redundância estrutural, isto é, os componentes do conjunto repetidos um grande numero de vezes.

Uma elevada redundância funcional, isto é, a capa-cidade de uma função lógica ser executada, ao mesmo tempo, em vários níveis do conjunto que podem controlar-se mutuamente.

Uma elevada fiabilidade, isto é, a possibilidade de funcionar utilizando unidades constitutivas degradáveis que, apesar da desordem e do ruído introduzidos no sistema, não ocasionam aumento da entropia do sistema, podendo ser, no conjunto, até mesmo regeneradoras e enriquecedoras.

Repetindo, se um sistema auto-organizador apresentar todas as características acima, podemos inferir que poderá reagir aos efeitos aleatórios do meio ambiente diminuindo sua redundância e fiabilidade, sem que pare de funcionar. A continuação de seu funcionamento poderá então originar uma maior variedade e heterogeneidade (conseqüente à diminuição de redundância) que o torne capaz de performances reguladoras mais aperfeiçoadas. O que, em última análise, consiste na geração de ordem (informação) a partir do ruído.

Sabemos que os seres vivos são estruturados fundamentalmente a partir de dois grupos de macromoléculas: as proteínas e os ácidos nucléicos.

As proteínas são responsáveis pela estrutura macroscópica dos organismos, através de sua forma fibrilar; e pelo controle e catalisação das milhares de reações químicas que ocorrem no interior dos mesmos, por meio das forma, globulares ou enzimas (Monod).

Os ácidos nucléicos são sistemas moleculares capazes de auto-replicar e transmitir a informação genética, ne varietur, geração após geração.

O conjunto comporta uma elevada redundância estrutural e funcional, permitindo que seja alcançada uma extraordinária fiabilidade, por ser organizado em estágios hierarquizados através de integrações sucessivas de subconjuntos (Os íntegrons, de François Jacob).

Conseqüentemente os sistemas biológicos sobrevivem e se reproduzem, “evadindo-se da queda para o equilíbrio” (Schrödinger), enganando o principio de Carnot, que “é um decreto de morte” (Brillouin), porque possuem formas de organização molecular “extremamente altamente complicados”, conforme a expressão de Von Neumann que permite a estruturação de uma bioarquitetura em estágios integrados, e a ocorrência de auto-regulação.

Finalmente, devemos lembrar ainda que os sistemas vivos são sistemas termodinâmicos com uma organização metabólica extremamente complexa que além de extrair neguentropia do ambiente e de utilizar o ruído como fator enriquecedor de sua própria rede cibernética, submete-se, como qualquer sistema não-vivo, ao principio de energia mínima que orienta todas as reações químicas em direção à diminuição de energia livre, “o tipo de energia capaz de produzir trabalho em condições de temperatura e pressão constantes” (Lehninger).

Acrescente-se às características dos sistemas biológicos, acima expostas (arquitetura em estágios, auto-regulação, energia mínima), que toda estrutura viva é conseqüência de um processo evolutivo que a seleciona por causa de sua performance positiva e, conseqüentemente, da sobrevivência da espécie.

Referências

1 – Atlan. H. 1972a L ‘organization biologique et la theorie de l’information. Hermann, Paris

2 – Atlan. H 1972b. Du bruit comme principe d’auto-organisation. Communications 18: 21-35. Centre d’Etudes des Communications de Masse École Pratique des Hautes Études. Le Seuil, Paris.

3 – Atlan, H. 1974a. Conscience et desirs dans systemes auto-organisateurs. In Edgar Morin, massimo Piatelli-Palmarini. L’unité de l’homme.Auto-organisation et connaissance: 449-465. Le Seuil, Paris.

4 – Atlan H. 1974b. Le principe d’ordre à partir de bruit, l’apprentissage non dirige et revê, In Edgar Morin, Massimo Piatelli-Palmarini.L’unité de l’homme. Auto-organisation et conaissance: 469-475. Le Seuil, Paris.

5 – Bejin, A. 1974. Presentation. In Edgar Morin, Massimo Piatelli-Palmarini. L’unité de l’homme, Auto-organization et connaissance: 447-448. Le Seuil, Paris.

6 – Brillouin, L. 1959. Vie matiere et observation Albin Michel, Paris.

7 – Cowan, J. D. 1965. The problem of organismic reability. In Wiener e Schade, org. Progress in brain research. Cybernetics and the nervous system. 17: 9-63. Elsevier Publ. Amsterdam.

8 – Jacob, F. 1970. La logique du vivant. Édition Gallimard, Paris.

9 – Lehninger, A. L. 1976. Bioquímica, vol. 1 Componentes moleculares das células, Editora E. Blucher Ltda. São Paulo.

10 – Monod, J. 1971. O acaso e a necessidade, Editora Vozes, 2ª edição.

11 – Morin, E. 1973. Lê paradigne perdu: la nature humaine, Le Seuil, Paris, trad. Br. 1975, O enigma do homem, Zahar Editores.

12 – Schrödinger, E. 1976. What is life? Cambridge University press. Cambridge (first published 1944).

13 – Von Foerster, H. 1960. On self-organizing systems and their envionments. In Yovitz e Cameron org. Selff-organizing systems. Cameron, Pergamon. Nova york.

14 – Von Foerster, H. “Remarques introductives”. In Edgar Morin, Massimo Piatelli-Palmarini. L’umité de l’homme. Theorie de la cognition et epistemologie de l’observation: 400 Le Seuil, Paris.

15 – Von Neumann, J. 1966. Theory of self reproducing automata. Ed. W. Bruks, University of Illinois Press, Urbana, Illinois (apud Atlan, 1972b).

16 – Winograd, S. And Cowan, J. D. 1963. Reliable computation in the presence of noise, MIT Press, MIT Cambridge, Mass (apud Atlan, 1972b).

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